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Uma audição comentada por Fernando Lopes Graça

Memórias da minha morte

O que aqui é lido (nunca antes de Janeiro de 2007) foi escrito, na melhor das hipóteses, em Dezembro de 2006. Refiro isto por querer evocar Fernando Lopes Graça - a pretexto do primeiro centenário do seu nascimento, celebrado em 2006 - , numa memória que incluirei num rol de "memórias da minha morte", título estranho para velhas notas de reportagem, inéditas, há tanto tempo esquecidas que algumas nem conseguirei datar com rigor. É o caso desta que remontará a 1976.
Aconteceu depois do 25 de Abril. Tenho a certeza. Antes seria impossível, não havia condições para organizar uma audição de obras de Fernando Lopes Graça, comentada pelo próprio maestro. Digo que a audição em causa terá ocorrido em 1976, pois foi o ano em que o maestro completou 70 anos e 50 de actividade criadora. É plausível que tenha acontecido por esta razão. A iniciativa partiu do Orfeão Académico de Coimbra e foi marcada para a sala 17 de Abril, do Edifício das Matemáticas, em Coimbra.
À hora do costume (as nove e meia da noite), o maestro, acompanhado pela dra Isabel Parra, então directora do Orfeão Académico de Coimbra, pelo Carlos Santos, também do Orfeão, e por mim, aguardava, no local, a chegada do público. Estranhamente, ou não, esta audição, de entrada livre e amplamente publicitada, só mobilizou um interessado, o prof. dr. Orlando de Carvalho, que chegou a horas e que aguentou os dois ou três quartos de hora de tolerância académica com que esperamos, em vão, por mais público.
A incomodidade da situação foi superada pelo dr. Orlando de Carvalho que convidou o maestro e os organizadores a transferirem-se para casa dele ? numa das torres da Solum ?, não para a audição comentada mas para uma noite de tertúlia coimbrã, com boa bebida e boa companhia, durante a qual, os mais novos confirmaram que, muitas vezes, aprende-se mais no calor de um bar nocturno, ou em casa de amigos, do que em algumas frias salas da Universidade. Para mim e para a Isabel (julgo que o Carlos Santos acabou por não ir a casa do dr. Orlando de Carvalho), a noite foi um encantamento e um privilégio. Mesmo a falarem de coisas vulgares - recordo alguns "segredos" de vida intelectual de Lisboa -, o maestro Fernando Lopes Graça e o prof. dr Orlando de Carvalho eram dois comunicadores de excepção e ouvi-los era um "deslumbramento de imenso", para utilizar um verso de Ungaretti, por sinal traduzido por Orlando de Carvalho.
A noite terminou horas tantas, quando eu e a Isabel fomos deixar o maestro Fernando Lopes Graça ao velho Hotel Bragança, onde lhe tínhamos marcado quarto, com a incumbência de assegurar, junto da recepção do hotel, que o pequeno almoço do maestro, na manhã seguinte, não fosse a ementa habitual, de leite, café e torradas com manteiga, mas algo mais substancial e português como o maestro preferia.


  
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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