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Os Jogos da Lusofonia

Para uma Teoria da Conspiração 

Realizaram-se em Macau de 7 a 15 de Outubro de 2006 os primeiros "Jogos da Lusofonia" onde estiveram presentes 11 países, 710 atletas, 211 oficiais de equipa e 130 delegados técnicos. A comitiva portuguesa foi composta por um total de 158 atletas, o que constituiu a maior comitiva desportiva portuguesa de sempre no estrangeiro. Claro que quem pagou tudo isto foi Secretaria de Estado do Desporto, através dos recursos do erário público, com um financiamento público de 300 mil euros.
Por isso, quando vemos o Comité Olímpico de Portugal, a expensas do Estado, a avançar para tal evento, somos levados a perguntar se mais uma vez, não nos estamos a lançar num empreendimento que pode dar satisfação a muitos dirigentes, alguns técnicos e um reduzido número de atletas, mas que pouco ou nada beneficia a generalidade do sistema desportivo, o desenvolvimento geral do desporto ou o país. Ou, pior ainda, que pode virar-se contra os próprios interesses económicos e políticos de afirmação de Portugal no mundo. 
Assim, a questão fundamental que deve ser colocada é a seguinte: Para que servem os Jogos da Lusofonia?
A realidade responde-nos que a institucionalização dos Jogos da Lusofonia e a sua recente realização em Macau, que é hoje parte integrante da soberania chinesa, mais não é do que um muito útil e adequado instrumento ao serviço de uma estratégia geoeconómica e geopolítica pró-activa de afirmação da China no continente africano, e muito especialmente em Angola e Moçambique, pelo que para atingir esse desiderato acabou de fazer um investimento de cerca de 16 milhões de euros na realização de um evento desportivo caracterizado pelas mais estranhas contradições. Qual o interesse da China em potenciar na época actual a ideia da lusofonia no mundo quando o mais natural seria fazer esquecer os 440 anos da presença colonial portuguesa? Que razões poderiam estar subjacentes a essa benevolência chinesa quando são conhecidos, em simultâneo, os modos e as formas de afirmação externa da China na cena política e económica internacional?
Não sejamos ingénuos. A China está neste caso dos Jogos da Lusofonia inteligentemente a utilizar o conceito de lusofonia para propósitos da sua política externa de afirmação conveniente nesse espaço geoeconómico, sem que os dirigentes políticos e desportivos portugueses disso pareçam estar a retirar as devidas ilações. A China está tanto interessada em promover a lusofonia quanto Portugal está interessado em promover qualquer dialecto chinês. A lusofonia é um pretexto e o desporto um instrumento estratégico da maior eficácia.
Entretanto o que verificamos é que a China tem vindo a desenvolver uma estratégia económica de afirmação rápida e massiva em África que lhe permite vir a conquistar mercados que tradicionalmente "pertenciam" a empresas portuguesas. A China tem como objectivo atingir a cifra de 100 mil milhões de dólares de trocas comerciais com África em 2010. Para o efeito, acabou de realizar em Pequim a maior cimeira de sempre com países africanos ("Cimeira China-África") na qual estiveram presentes 48 líderes destes países.
Por isso, para além dos discursos piegas acerca da defesa da língua portuguesa, quando hoje se realiza o balanço da primeira edição de uns Jogos onde se gastaram milhões, trata-se de saber até que ponto os dirigentes políticos e desportivos portugueses, devido à endémica incapacidade para idealizarem estratégias e estruturarem prioridades de acção para o desporto, vão continuar a manter a política externa e de cooperação portuguesa condicionada e aprisionada por interesses privados e pessoais de uns tantos "dirigentes globetrotters", incapazes de pensarem o desporto para além da sua "oportunista mentalidade turística". Ou se, em alternativa, se consegue perspectivar estrategicamente a política desportiva nacional, de modo a perceber-se o real papel dos eventos desportivos de dimensão apreciável no contexto de uma estratégia de afirmação cultural, geoeconómica e geopolítica do país, dando desse modo uma verdadeira dimensão estratégico-política ao desporto.
É nesta perspectiva cultural e geoeconómica e geopolítica que o Governo português devia olhar para os grandes investimentos que faz em matéria de políticas públicas no domínio dos grandes eventos, sob pena de estar a desperdiçar dinheiro e recursos necessários a outros sectores de prática desportiva.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
José Pinto Correia
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
José Pinto Correia
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa

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