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Considerações sobre conceitos de crescimento, de decrescimento sustentável e de desenvolvimento ecologicamente sustentável

1. O ?crescimento económico?

É necessário ultrapassar as referências do paradigma mecânico newtoniano através dum pensamento ecologizado que faça ressaltar a achega sistémica e a abordagem da complexidade transdisciplinar.
Tomando Descartes (1596-1650) como pensador paradigmático do mecanicismo, podemos, no Discurso do Método(1)[1], revelar a concepção do mundo que vem do séc. XVII até aos nossos dias.
Resumem-se em 5 pontos as linhas essenciais dessa ?weltanchaung?:

  1. O reducionismo que pretende separar as partes do todo;
  2. A identidade analítica que pretende estabelecer limites definidos;
  3. A não contradição e o terceiro excluído que fundamentam o discurso binário da mecanicidade;
  4. O causalismo linear que tende a explicar pelo passado e duma forma determinística o presente e o futuro, excluindo as forças endógenas no processo evolutivo;
  5. O progresso social como resultado do progresso técnico-científico assente na miragem de recursos sem limites.

Volvidos cerca de 350 anos, sobre esta referência cartesiana, a obra de Edgar Morin(2)[2] publicada na década de 70/80 do século XX, revela o paradigma emergente em que vivemos opondo aos 5 pontos cartesianos os seguintes fundamentos do novo pensamento:

  1. A complexidade explicita um novo olhar de multiplicidade onde não é possível compreender os fenómenos sem a inserção do uno no multiplex;
  2. O dialogismo ou a interacção simbiótica, revela o fim das fronteiras estáticas mostrando uma realidade dinâmica que não se compadece com o positivismo estático da anterior concepção;
  3. A contradição, a diferença e a biodiversidade constituem um elemento essencial para conhecer a realidade;
  4. O processo cíclico, em que a causa e o efeito são sistemicamente interactivos, opõe-se à explicação do determinismo linear;
  5. A crítica reflexiva impõe o abandono das grandes narrativas metafísicas e exige uma pilotagem permanente da consciência sobre os processos fenomenológicos. Em vez de grandes explicações totais prefere-se uma fenomenologia processual e crítica permanentemente auto-avaliada. Esta nova concepção esta longe de ser hegemónica.

A noção de crescimento económico insere-se numa concepção epistemológica assente no antigo paradigma cartesiano. Vigora ainda fortemente, mau grado as arremetidas deste outro mundo novo que vai desabrochando a custo. A mega máquina urbana reproduz duma forma alargada a força de trabalho, impondo as relações antagónicas entre a privatização dos bens de produção e a socialização dos trabalhadores.
A produção baseada na energia fóssil deste mundo-máquina funciona segundo um metabolismo linear que vai esgotando os bens naturais, transformando-os em lixos.
Esse funcionamento é predador dos bens da biosfera ao mesmo tempo que segrega a exclusão social, como referem as obras de René Passet(3)[3], Jean Marie Pelt(4)[4] e outros.
O processo de mundialização, que se consolida a partir do séc. XVI até aos nossos dias, teve algumas transformações. Mas não foram estruturais. Ocorreram adaptações do modelo capitalista às inovações introduzidas pela passagem duma paleotécnica à neo-técnica assim como formulações diversas de sistemas governativos dentro do mesmo parâmetro de exploração do homem sobre o homem e da tecnosfera sobre a biosfera. Sobre esta última etapa do capitalismo liberal, Serge Latouche(5)[5] analisou-a do seguinte modo:
1. Uma desigualdade crescente entre o norte e o sul, entre o centro e as periferias, mesmo no interior de cada país;
2. A continuação da pilhagem e a reinvenção da servidão e escravatura mais o trabalho infantil, constituem realidades presentes nos países neo-coloniais armadilhados pela dívida externa e em consequência de governos que servem a lógica do imperialismo;
3. A destruição dos ecossistemas e as poluições globais constituem o estado permanente do esgotamento e contaminação a que o actual modelo urbano-industrial sujeita a biosfera;
4. O fim do estado providência deu lugar à destruição do serviço público;
5. A mercantilização ocupou todas as esferas da vida;
6. O estado-nação desapareceu para dar lugar aos novos patrões do mundo ? as multinacionais.

Notas:

1) ?Discours de la Méthode?, R. Descartes, Ed. Pléiade
2) ?La Méthode?, Edgar Morin, Ed. Seuil, Paris
3) René Passet, ?A Ilusão Neoliberal?, Ed. Terramar, 2001; ?L?Économique et le Vivant?, 2e. Édition, Economica, 1996
4) ?A Natureza Reencontrada?, Jean-Marie Pelt, Ed. Gradiva, 1991
5) Serge Latouche, ?L?Invention de l?économie?, Ed. Albin Michel, 2005; ?Occidentalisation du monde?, 3èmme Ed. La Découverte/Poche, 2005

[1] ?Discours de la Méthode?, R. Descartes, Ed. Pléiade

[2] ?La Méthode?, Edgar Morin, Ed. Seuil, Paris

[3] René Passet, ?A Ilusão Neoliberal?, Ed. Terramar, 2001; ?L?Économique et le Vivant?, 2e. Édition, Economica, 1996

[4] ?A Natureza Reencontrada?, Jean-Marie Pelt, Ed. Gradiva, 1991

[5] Serge Latouche, ?L?Invention de l?économie?, Ed. Albin Michel, 2005; ?Occidentalisation du monde?, 3èmme Ed. La Découverte/Poche, 2005


  
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto

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