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Discutindo educação e cinema em tempos de nevoeiro

São de nevoeiro, os tempos que correm. Neste quadro de neblina, nem sempre é possível visualizar com nitidez a paisagem e os sujeitos que nela atuam. Assim, a tentação é deixarmo-nos levar pela correnteza. Isto é muito visível, quando procuramos analisar e discutir o fenômeno cinematográfico, se levarmos em linha de conta a hegemonia sufocante de um certo tipo de cinema: o de vertente hollywoodiana.
Como se pode verificar, é enorme a repercussão deste tipo de cinema no campo educacional. A educação deveria ser um campo privilegiado para introduzir um outro universo ideológico e estético cinematográfico. Porque isso não acontece? A meu ver, são duas as razões para esse fato:
1. A maioria dos educadores foi formada sob o domínio avassalador do cinema de vertente hollywoodiana e desconhece alternativas. Nessa base, acaba, ainda que inconscientemente, instituindo um certo grau de resistência á mudança.
2. A falta de clareza de muitos educadores sobre a questão dos valores.
Constata-se que vivemos rodeados por imagens ? na rua, nos meios de comunicação, nos locais de trabalho ? e não entendemos mais a vida sem esta profusão de imagens, sons e movimentos. Mesmo sabendo que estamos vendo imagens, somos arrebatados por elas e pela história que constroem e/ou representam.
Mas ao falarmos do universo de imagens que perpassam o mundo contemporâneo, é fácil perceber onde está seu centro produtor e difusor por excelência: os EUA. A predominância do cinema hegemônico norte-americano, aquele produzido pelas grandes empresas de Hollywood (com eventuais falências e substituições por novos conglomerados), existe no cenário internacional desde o início do século XX ? há quase cem anos. A vanguarda tecnológica desde então se tornou parte constante da indústria deste cinema hegemônico ? desde avanços sonoros, passando pelo processo de colorização, até chegarmos à revolução dos efeitos especiais, protagonizada em parte por Spielberg nas décadas de 70 e 80 ? possibilitando, ao mesmo tempo, a ampliação do que se conceitua ser Cinema e a sedimentação da noção de que ninguém faz filmes bons como a indústria entre grande parte do público pagante, através da publicidade destas mesmas inovações.
É preciso entender também como ?cinema hollywoodiano? as produções de vários outros países que, em sua área cultural particular, exercem influência análoga. Esse é, em grande parte, o caso do cinema mexicano na América Latina e entre os chicanos dos Estados Unidos, dos cinemas egípcio e libanês nos países árabes, do cinema hindu no subcontinente asiático, do cinema de Hong-Kong no sudoeste da Ásia. Lançados por burguesias que não tiveram a sorte histórica de sua irmã mais velha americana, esses filmes não tiveram até hoje a possibilidade de impor seus códigos formais e temáticas além de sua região. Entretanto o cinema hindu penetra na África negra, os cinemas egípcio e libanês nas comunidades árabes que emigraram para a América Latina, e o cinema de Hong-Kong acabou penetrando na África e mesmo na Europa.
Nunca se dedicou a devida atenção ao fenômeno. Entretanto, ele prova que, com registros culturais diferentes do modelo ocidental e em contextos específicos, tais cinemas constituem o equivalente do que é produzido na metrópole californiana.
Em decorrência do que acabamos de afirmar, torna-se necessário buscar outras reflexões sobre o diálogo entre educação e cinema. Assim, abordaremos nos próximos textos as seguintes questões:
- no primeiro texto, procuraremos mostrar que não é possível sugerir alternativas cinematográficas e educacionais ao cinema de matriz hollywoodiana, sem antes procurar fazer sua radiografia, na tentativa de desnudar suas concepções e seus métodos;
- no segundo texto, analisaremos o modo como, na interação dos sujeitos com o cinema, eles se tornam mediadores deste, assim como o cinema torna-se mediador entre os sujeitos;
- no terceiro texto, procuraremos mostrar o modo como se repercute o cinema de vertente hollywoodiana nas crianças e adolescentes e qual a margem de liberdade que eles têm para fazer escolhas;
- no quarto e último texto, defenderemos um cinema de reflexão, de pensamento e de resistência às formas banais.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

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