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Excesso de burocracia e falta de cidadania

Portugal e a imigração

Apesar de semi-cercado por mar, por onde outrora partiram incomensuravelmente mais portugueses do que os estrangeiros que hoje por aí chegam, o nosso país já não faz parte da rota dos clandestinos que chegam de barco à Europa. Mas por mar, terra ou ar, os emigrantes chegam até cá e cá se tornam imigrantes. Portugal é um destino apetecível. Por diferentes motivos, apesar dos defeitos. Excesso de burocracia e falta de cidadania são males que os portugueses bem conhecem e com que se depara de imediato um estrangeiro que quer residir em Portugal. A nova Lei de Imigração promete facilitar as legalizações e, entre outras medidas favoráveis, substitui os seis tipos de vistos existentes por um único. Foi aprovada em Conselho de Ministros em Agosto passado e aguarda publicação em ?Diário da República?.
Por cada imigrante que temos entre nós, há 10 emigrantes portugueses pelos quatro cantos do mundo, sublinha o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), em recente publicação sobre os mitos e os factos da imigração. A primeira ideia a derrotar é a de que os imigrantes nos possam estar a invadir. O número cresceu bastante nos últimos anos, é um facto, mas Portugal está longe de ser um dos países europeus com maior percentagem de imigrantes. Hoje, entre autorizações de permanência e autorizações de residência, o país conta cerca de 450 mil, pouco mais de 4 por cento da população.
Destes, 311 mil são provenientes de países não comunitários. Os brasileiros constituem a maior comunidade (14,9%), um lugar ocupado largos anos pelos cabo-verdianos, que passaram para terceiro lugar (14,3%), cabendo o segundo aos ucranianos (14,7%). Do seu total, quase metade, 202 mil, escolheram a zona de Lisboa. O distrito do Porto é o quarto destino (depois de Faro e de Setúbal), com pouco mais de 32 mil imigrantes.
Os dados são do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Dos clandestinos não há notícia. Há estimativas que variam de 100 mil a 200 mil em 2001, ano em que foi lançado um processo de legalização extraordinário. A nova Lei que define o regime jurídico de entrada, permanência e saída de estrangeiros em território nacional reforça a luta contra a imigração ilegal, agravando a moldura penal de quem a promove e o regime de coimas a quem lhe dá emprego. As máfias, sobretudo do Leste, as redes de prostituição e os exploradores de mão-de-obra continuam a atrair milhares de imigrantes ao nosso país.
O Porto não escapa à atracção, mas em muito menor escala do que Lisboa ou Faro. No Norte não se sente a miséria dos imigrantes que se amontoam em bairros clandestinos à volta de Lisboa. Mas há pobreza, afiança Maria Cláudia Henriques, presidente da Associação Luso Africana Pontos nos Is, criada no Porto em 1988, e que no seu apoio presta um serviço social, associada que está ao Banco Alimentar, permitindo-lhe fornecer refeições a cerca de 80 a 100 famílias por mês. Para Maria Cláudia, os maiores problemas dos imigrantes prendem-se com situações em que não são remunerados pelo seu trabalho, sobretudo na construção civil. De qualquer maneira, são baixos os seus salários, inclusive das mulheres que se ocupam normalmente de limpezas. E com pouco dinheiro tendem a viver em habitações degradadas.
Isto no caso dos trabalhadores sem elevadas qualificações escolares, à excepção dos imigrantes de Leste, grande parte deles com cursos superiores mas que acabam, também eles, a fazer os trabalhos que os portugueses rejeitam.
?É muito complicado o reconhecimento de diplomas estrangeiros?, alerta Luciana Mendonça, brasileira doutorada em Ciências Sociais em S. Paulo e há dois anos em Portugal. Veio por amor, casou com um português. Só agora conseguiu, do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, uma bolsa para investigação. O reconhecimento do diploma não foi o seu problema, porque o obteve numa universidade com créditos internacionais e porque se trata de um documento em português. O seu problema profissional pôs-se porque chegou a Portugal sem quaisquer pontes académicas.
Luciana esteve 10 meses à espera da autorização de residência. ?Não faz sentido que seja um órgão policial a decidir quem permanece ou não?, rebate. Acrescenta que ?é preciso avançar com políticas de integração que visem sobretudo a população portuguesa?, com forte actuação ?na educação e na cidadania?. E acabar de vez com preconceitos e estereótipos do género ?homem brasileiro é malandro e mulher é prostituta?. Luciana Mendonça conhece bem a comunidade de imigrantes brasileiros no Porto, integrada que está na AACILUS ? Associação de Apoio à Imigração das Comunidades Africanas e Sul Americanas, cuja Assembleia Geral preside.
Rachid Fathi, marroquino, lidera a ESSALAM ? Associação de Imigrantes Magrebinos e de Amizade Luso-Árabe, criada há um ano e que reúne cerca de 200 associados, oriundos sobretudo do Norte de África (Marrocos, Argélia e Egipto). Começaram por se juntar por falarem a mesma língua, mas ?depois descobrimos que nos temos de unir para resolver os nossos problemas?. E o grande problema apontado volta a ser a legalização do SEF. É nos balcões do SEF que se sentem estrangeiros, diz, ?na rua e no trabalho não nos sentimos muito estrangeiros?. Saiu de Marrocos para continuar os estudos de Biologia na Holanda, ficou em França a trabalhar clandestinamente durante dois anos e em 2001 veio para Portugal. Legalizou a sua situação e ficou. Aprendeu português, arranjou emprego numa fábrica têxtil na Guarda e teve um acidente de trabalho, que lhe incapacitou o braço esquerdo. Higiene e Segurança no trabalho são carências que encontrou em Portugal.
Maria Cláudia, Luciana e Rachid são apenas três representantes de três diferentes movimentos associativos de imigrantes com os quem ?a página? conversou. Dão voz a muita gente, seres humanos com direitos, sejam clandestinos ou não. Até porque estrangeiros somos mesmo todos nós.


  
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Cristina Moura Fonseca

Cristina Moura Fonseca

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