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A centrifugação

... o sentido que queremos dar à centrifugação não é tão ligado à lavagem da roupa, é ao processo de colocação da Educação Inclusiva no quadro das opções políticas da educação portuguesa.

Eu sei que este termo entrou no nosso quotidiano através das máquinas de lavar roupa que com este procedimento impediam que a roupa que penduramos nos nossos apartamentos urbanos molhassem a roupa que o vizinho de baixo já tinha posto a secar.  Mas o sentido que queremos dar à centrifugação não é tão ligado à lavagem da roupa, é ao processo de colocação da Educação Inclusiva no quadro das opções políticas da educação portuguesa.  Passo a explicar:
Portugal estabeleceu e regulamentou políticas de educação dos alunos com necessidades educativas especiais na escola regular.  Outros países escolheram outros caminhos ou avançaram mais prudentemente nesta direcção, mas Portugal, nomeadamente através do decreto-lei 319/91, através da assinatura da declaração de Salamanca e pela publicação do despacho 105/97, mostrou que estava disposto a avançar rápido na política inclusiva.  Os resultados deste esforço foram muito encorajadores.  Na verdade, ainda que se possa pôr em causa em situações pontuais a qualidade proporcionada pelas estruturas regulares aos alunos com necessidades educativas especiais, a grande maioria dos casos de inclusão resultou numa melhoria dos resultados académicos e de inclusão social dos alunos com NEE.  Os temores sobre o efeito pernicioso que esta inclusão poderia ter nos alunos sem NEE acabou por ser ?fogo de palha? porque para além deste efeito não se ter verificado, os colegas sem deficiência foram em muitos casos mais rápidos em compreender que ajudar os outros é muitas vezes a melhor maneira de aprender.  Portugal colocou-se assim nos primeiros lugares no ranking internacional dos países que mais atenção davam à Inclusão.  Este interesse acabou por ofuscar a dicotomia Educação Especial - Educação Regular.  A Educação Inclusiva era uma educação regular de qualidade para todos os alunos.  Relembrando a definição que a UNESCO adopta de Educação Inclusiva: ?Inclusive education is a developmental approach seeking to address the learning needs of all children, youth and adults with a specific focus on those who are vulnerable to marginalisation and exclusion.?  (Em tradução minha: A Educação Inclusiva é um projecto em desenvolvimento que procura dirigir-se às necessidades de aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos, com particular ênfase naqueles que são mais vulneráveis à marginalização e exclusão?.
Bom, este era o caminho que estávamos a seguir: desenvolver nas escolas um sistema de cultura, de política e de prática que permitisse responder às necessidades educativas de todos os alunos vulneráveis à exclusão.  Situam-se neste caso sem dúvida os alunos com NEE devido a deficiência, mas também outros casos que não tendo deficiências necessitam de um olhar mais atento e particular da escola.
A criação dos quadros de professores de Educação Especial parece resolver parte desta questão ao fixar na escola recursos que vão apoiar a aprendizagem de alunos com vários tipos de deficiência.  Mas? e os outros?  Quando se criou o cargo de Special Needs Coordinator nas escolas do Reino Unido, foi com a intenção de que houvesse um professor ou uma equipa de professores que apoiasse TODOS os alunos com dificuldades tendo deficiências ou não.  Em Portugal o nosso Professor de Educação Especial vai apoiar SÓ os alunos com condições bem determinadas. Quem vai apoiar os alunos com NEE não originadas por uma condição de deficiência? No fim de Julho de 2006, as escolas não sabem ainda quem, quantos, professores vão dispor para este apoio.
O que acontece é que a Educação Inclusiva, antes a menina bonita dos discursos e das políticas educacionais, deixou de estar no centro das preocupações.  Fala-se agora em Educação Especial (o Ministério da Educação faz conferências sobre ?Educação Especial?) e o termo Educação Inclusiva eclipsou-se dos textos e discursos.  O que temos agora é um sistema de educação regular e outro de educação especial.  Onde está a Educação Inclusiva?  Pois é: foi centrifugada para as margens do sistema.  As pessoas que falam e defendem a Educação Inclusiva foram fazer companhia aos grupos de defendem causas minoritárias na Educação.  A EI foi centrifugada? mas é muito provável que se esta situação continuar assim o resultado seja o núcleo ficar seco? seco de ideias e seco das três condições que a UNESCO considera centrais para aferir a qualidade de um sistema educativo: comunidade, equidade e participação.


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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