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Do secundário ao superior: a equidade

O sistema educativo português tem dificuldade em interiorizar o papel que os exames nele desempenham. As controvérsias são grandes e recorrentes, as mudanças legislativas são frequentes (quantos regimes de exames tivemos desde a criação do já longínquo Ano Propedêutico?), os jornais trazem as mais pequenas perturbações, por vezes banais, para a primeira página, etc..
A maior parte das controvérsias com os exames portugueses tem acontecido a propósito do final do ensino secundário e do acesso ao ensino superior. Para que não haja dúvidas, acho que o actual sistema português me parece bastante bom e que corremos o risco, com uma modificação precipitada, de ?deitar fora o bebé com a água do banho?.
Se não houvesse mais candidatos do que vagas à maioria dos cursos, não seriam necessários exames de seriação para entrada no ensino superior; todos os estudantes entrariam nos cursos da sua preferência, tivessem ou não vocação para isso. Como em Portugal (e muitos outros países) há mais alunos a querer entrar nalguns cursos do que as vagas que esses cursos oferecem, é necessário encontrar algum critério de selecção; como ninguém consegue medir o mérito e a vocação de forma minimamente correcta e expedita, tudo o que podemos aspirar é a uma aproximação tão boa quanto possível.
Um exame (escrito ou oral ou uma combinação de ambos) é assim uma ferramenta natural de seriação: quem mostrar naquele momento estar melhor preparado em função dos parâmetros definidos pelo exame é quem deve entrar à frente, o que parece algo de minimamente justo.
O problema começa com a definição dos parâmetros do exame e com o modo como esses parâmetros são testados. Por exemplo, sempre me causou estranheza que os exames de línguas não tivessem prova oral (o domínio da língua materna ou estrangeira pode ser apenas testado através de provas escritas?). Os exames devem satisfazer um certo número de princípios gerais para serem justos. A própria Lei de Bases enuncia alguns. Por exemplo a equidade: todos devem ter oportunidades equivalentes de se preparar para o exame e portanto de provar que são capazes de superar as provas de exame e assim mostrar o seu mérito (pelo menos no momento do exame).
Se os parâmetros do exame forem genéricos (como testes de ?cultura geral?) então o sistema educativo vai introduzir mais desigualdade ao aumentar o impacto de factores exteriores como o ambiente sócio-cultural em que os estudantes se inserem. O nosso sistema, concentrando o essencial dos exames em conteúdos e capacidades que se podem (devem!) desenvolver ao longo da escolaridade, está na realidade a dar oportunidades razoavelmente equivalentes a todos os estudantes de mostrarem que merecem entrar no curso que pretendem frequentar.
Quando aparecem propostas de separar completamente o ensino secundário do ensino superior dizendo-se ?o ensino superior que organize as suas próprias provas de acesso? está-se na realidade a impedir que o princípio da equidade possa ser satisfeito. Senão vejamos: as provas de acesso que o ensino superior organizasse seriam baseadas em que tipo de conteúdos? Os do ensino secundário? Então para quê fazer dois exames sobre o mesmo tema? Outros conteúdos? Então os alunos estavam três anos a estudar uma coisa e depois o exame pressupunha outros conteúdos (outras capacidades)? Eles deveriam aprender esses outros conteúdos onde? Quem não tivesse oportunidade ou possibilidade económicas para isso ficaria em desigualdade flagrante.
Além do mais, se o ensino superior organizar provas que mobilizem conhecimentos que não os do secundário, os alunos (e pais) pressionarão os professores para que dêem mais atenção a essas provas de exame do que ao cumprimentos dos programas oficiais (não sujeitos a exame); é o que acontece, com consequências negativas óbvias, em países como a Espanha ou a Grécia.
Assim, o facto de os exames finais do ensino secundário servirem também de provas de acesso, ajuda a garantir a equidade no acesso ao ensino superior.


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências
Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências

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