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Avaliação de professores: para quê?

REVISÃO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE

?O sistema de ensino tem, de facto, que ser meritocrático, o que não equivale a antidemocrático. Pelo contrário, exige-se-lhe ser capaz de procurar e estimular o mérito onde ele existe, uma responsabilidade tanto maior quanto a educação é mesmo o único meio de o conseguir. (?)?

Teodora Cardoso, A Educação e a Política in Jornal de Negócios

A proposta de alteração do actual ECD (estatuto da Carreira Docente) vem repor uma discussão já antiga e consensual sobre a necessidade de mudar o Sistema Educativo. A taxa de insucesso e abandono escolares nas escolas portuguesas mostra até que ponto o problema se tem arrastado e, ao compará-los com os restantes países europeus, o problema torna-se candente. Portugal já não o ?país orgulhosamente só? e sofre as consequências da sua abertura à Europa e ao Mundo em geral. É necessário fazer uma avaliação profunda, mas clara.
Quando se fala da Escola Pública e dos seus objectivos, não podemos esquecer que cabe ao Estado a responsabilidade de garantir condições de equidade para que todos, sem excepção, possam ter acesso à formação e educação. Contudo, como diz Adalberto Dias de Carvalho: ?A meritocracia é uma condição do desenvolvimento coerente das sociedades que tem de inspirar a própria educação enquanto motor da democracia e da construção da cidadania.?
Contudo, há uma responsabilidade recíproca pessoal e social, própria da vivência democrática, que conduz ao facto de que ?todos, sem excepção, têm de ser avaliados e responsabilizados para poderem ser avaliadores. Neste caso, os professores com certeza, mas também os alunos (não apenas em aspectos estritamente escolares mas igualmente quanto aos comportamentos cívicos) e os encarregados de educação.?
Não sou contra a avaliação do desempenho por mérito profissional e pessoal. Contudo, nas actuais circunstâncias, em que nas Escolas se vive um quadro de desconfiança recíproca, de excessiva burocratização e ?centralismo democrático? (vejam-se os exemplos de controle por parte das DRE?s e Serviços Centrais do Ministério da Educação sobre a desejável autonomia das escolas), a proposta de avaliação do ME pode acentuar a tendência para que o exercício da profissão docente se torne, como diz Matias Alves: ?mais complexo, mais intenso, mais simbolicamente desqualificado, mais caótico, mais conflituoso (na disputa dos bens escassos), mais competitivo, mais individualista, mais burocrático, mais impossível?.
A avaliação, no meu entender, deve contribuir para reforçar os processos de liderança que tenha em conta não apenas as tarefas, mas também as pessoas que as realizam. Isabel Baptista assinala que: ?Os papéis profissionais dos professores não podem ser burocraticamente definidos, sujeitos a vontades indiferentes à complexidade e à especificidade da realidade educativa.? Receio que esta proposta acabe por liquidar o trabalho cooperativo entre professores, se centre excessivamente nos resultados escolares dos alunos e na ordenação das escolas (vulgarmente designados por ?rankings escolares?), segregando-as, e hipervalorize o trabalho individual de cada professor.
Enfim, a proposta de avaliação do desempenho parece-me esconder intenções ideológicas de desvalorização da Carreira e da Escola Públicas, tornando a avaliação como um processo pouco consensual, pouco democrático e pouco transparente, ao hierarquizar e burocratizar o funcionamento das escolas. Isto é, centra-se nas responsabilidades dos líderes e nas tarefas a cumprir e, menos nos processos de liderança cooperativa e responsável das pessoas envolvidas.


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo
Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo

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