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Shoei Imamura: Um homem de sentimentos

Os anos 60 foram um período riquíssimo para o cinema japonês, que, ao mesmo tempo que outros países, produziu a sua própria ?Nouvelle Vague?. Entre os seus realizadores encontramos Hiroshi Teshigara, Yoshishige Yoshida, Nagisa Oshima e Shoei Imamura, que morreu de cancro de fígado com 79 anos, no passado dia 30 de Maio. Todos exploraram a ligação entre o erotismo e a violência, e os valores morais da sociedade pós-guerra japonesa..
Imamura foi bem mais fundo nestas áreas que os seus contemporâneos. Uma vez disse: ?Quero fazer filmes desconfortáveis, sujos, realmente humanos?.  Provavelmente queria dizer que as suas elaboradas e anárquicas narrativas estavam interligadas com temas sociológicos, sexuais e políticos. O que o separava dos outros realizadores japoneses era o facto de as suas personagens serem sobretudo provenientes das classes mais baixas e marginais: prostitutas, pornógrafos, chulos...
Nascido em Tóquio, Imamura era filho de um médico, tendo frequentado escolas de elite onde desprezava os seus colegas.  ?Lembro-me de pensar que eles eram o tipo de pessoas que nunca chegavam perto das coisas fundamentais da vida. Conhecendo-os, como eu os conheci, fez-me querer identificar com as pessoas das classes trabalhadoras, verdadeiras com a sua própria condição humana.?
Em 1945 entrou para a Universidade de Waseda, para Estudos Literários, onde escreveu peças e representou. Em 1951, após ter terminado o curso, entrou para a Shochiku Films, trabalhando como assistente de realização, e transferindo-se depois para os estúdios Nikkatsu. Em 1958, Imamura teve a oportunidade de realizar três filmes, todos passados no submundo,  seguidos em1959 por ?O Meu Segundo Irmão?, que conta a história de quatro órfãos numa cidade mineira. Já se podia detectar as suas preocupações e desilusões com o que ele descrevia como ?mulheres muito fortes que não aceitavam o seu destino, mesmo numa época onde as mulheres acreditavam que não tinham um papel especial na sociedade e eram vistas como inferiores aos homens?.     
No centro de ?Porcos e Navios de Guerra? (1961), uma história pungente passada durante a ocupação americana, aparece a pura heroína de Imamura, que mantém a decência no meio da corrupção. Em ?Contos das Ilhas do Sul? (1968), um irmão e uma irmã vivem numa ilha, apaixonam-se e tentam recrear o mito Izanagi e Izanami, deuses incestuosos cuja união deu origem à raça japonesa. Este filme pode ser visto como a súmula dos temas de Imamura: civilização versus primitivismo, ciência versus superstição, humanos como animais ou insectos.
Depois do insucesso comercial deste filme e com o quase colapso financeiro dos Nikkatsu Studios, Imamura passou oito anos fazendo uma série de documentários notáveis, quase todos para televisão. No final dos anos 70 regressou aos filmes de ficção. ?Comecei a pensar se o documentário era a melhor maneira de me aproximar destes assuntos e apercebi-me que presença da câmara pode materialmente modificar a vida das pessoas. Teria o direito de fazer isso? Estava a fazer de Deus tentando controlar a vida dos outros? Não sou um humanista sentimental, mas pensamentos como estes assustaram-me e mostraram-me as limitações do documentário.?
Em 1979 trouxe uma aproximação ao documentário com ?A Vingança é Minha?, um absorvente estudo de um ?serial killer?, mas o seu melhor filme após o seu ?exílio? de oito anos foi ?Chuva Negra? (1989), passado em 1959 numa pequena aldeia perto de Hiroshima. Imamura apenas em 1983 ocupou o lugar que lhe cabia entre os consagrados realizadores japoneses ao ganhar a Palma de Ouro de Cannes com ?A Balada de Narayama? e mais tarde com  ?A Enguia?(1997). O seu último filme foi um dos 11 segmentos de ?11? 09??01-September11? (20029, no qual um soldado japonês da II Guerra Mundial pensa que é uma cobra , e conclui dizendo, ?There is no such thing as a holy war.?)
Mark Cousins, ex-director artístico do festival de cinema de Edimburgo, convidou-o a estar presente em 1994 para uma retrospectiva da sua obra e conta o seguinte no obituário do ?Guardian: ?agressivo e irónico em pessoa como nos seus filmes. Queria falar tanto de sexo como de arte. Tinha uma expressão facial como a de Buster Keaton. O que dizia era usualmente irreverente. Para seu espanto, a abertura da retrospectiva estava esgotada. Eu disse: ?Senhoras e senhores, por favor dêem as boas vindas a um dos maiores realizadores,? e houve uma ovação de pé. Quando entrou em palco vi lágrimas nos seus olhos.?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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