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Júlio Conrado e os enredos da crítica

Desde sempre se sabe que a crítica se revela, quando exercida de modo honesto e independente, como uma forma de diálogo, que se processa através do livro que se analisa e pelas observações ou comentários feitos em seu redor. Por isso, criticar um livro é quase sempre retomar noutra perspectiva o sentido que o livro suscita ou alongar o sentido de um ?discurso? literário muitas vezes semelhante, outras vezes contrário e ainda outras nem uma coisa nem outra, deixando de lado alguns aspectos que se não afiguram de importância ou não merecem uma análise mais demorada.
Assim, críticas ?negativas? ou críticas ?positivas?, umas que desvalorizam as obras em apreciação e outras que enaltecem o que nos livros se aceita realmente com interesse, todas as restrições ou anotações elogiosas (ou não) têm um efeito de aceitação ou de recusa por parte dos autores que nem sempre são as melhores ou não coincidem com as expectativas que cada um coloca nos livros que escreve e publica. Mas, por ser uma faca de dois gumes, a crítica exerce sempre alguma influência no leitor, retoma por outros caminhos a discussão dos mesmos problemas ou denuncia a qualidade (ou falta dela) em obras que não passam sem a atenção de quem, contra ventos e marés, desempenha a função crítica e não deixa sem registo os livros e autores que se editam e hoje cada vez em maior número, ainda que a qualidade literária, na maioria deles, não acompanhe a avalanche de livros que surgem no mercado. Mas isso, claro, é outra conversa. E por isso lembramos que há alguns anos, como forma de defender a literatura, Claude Roy pôde afirmar que ?os bons romancistas fazem vida sobre a vida, os verdadeiros poetas fazem vida sobre a vida e os bons críticos fazem vida a partir dos livros sobre a vida?.
Ora, tudo isto nos ocorre na leitura do livro que Júlio Conrado acaba de publicar - «Nos Enredos da Crítica» -, onde se reúnem notas e comentários críticos de uma função que desempenhou regularmente durante os últimos 40 anos nas colunas de ?Jornal de Notícias?, ?Diário Popular?, ?República?, ?Diário de Lisboa?, ?O Século?, ?Vida Mundial?, ?JL? ou ?Colóquio/Letras?, não só como um ?apostolado? crítico de reconhecido mérito, mas acima de tudo como forma de vocação e ao mesmo tempo de afirmação da sua própria aventura pelos caminhos da ficção. Assim, nesta forma de balanço, e na releitura de muitos dos textos de intervenção crítica que sempre pudemos ler ao longo do tempo, sabemos (e agora o confirmamos) que Júlio Conrado chamou a si uma forma de ?trincheira? em que se barricou e dela fez o fogo cruzado que foi possível em relação às obras de autores da mais recente literatura portuguesa, sem nunca deixar de pôr o seu dedo crítico nos males e fantasmas dos chamados ?best-sellers? que todos os dias aparecem nos escaparates, tantas vezes através de livros escritos sem verve nem gramática, os tais que se dizem ?para ler e deitar fora?, como se a literatura, na lembrança sempre de Luiz Pacheco, pudesse ser ?comestível?. Não queriam mais nada.
«Nos Enredos da Crítica» é um livro, pois, que se afirma não apenas como um balanço pessoal desse exercício crítico em todos os quadrantes, mas é essencialmente um ?resumo? dos trabalhos e dias de um crítico que, na curva dos anos e às portas dos seus setenta anos, quer ter agora o tempo só para si e para os  romances que ainda sabe que escreverá. E, se é legítimo este pousar de armas, também se lamenta que Júlio Conrado se prepare para deixar a crítica em paz e que outros agarrem nesse facho com a mesma atenção e independência críticas.

Júlio Conrado
NOS ENREDOS DA CRÍTICA
ed. Instituto Piaget / Lisboa, 2006


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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