Expressiva de uma concepção de cultura escolar desactualizada, e perigosamente redutora, a proposta de revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD), recentemente apresentada pelo ME, surge ao arrepio de todas as recomendações internacionais sobre as metas da educação, sobre a missão da escola e, consequentemente, sobre o compromisso profissional dos professores numa sociedade socialmente desenvolvida, educativa, inclusiva e solidária. Apoiado numa autoridade profissional, o compromisso dos professores carece de apoio institucional e de valorização pública. É neste sentido que entendo a revisão do ECD, enquanto oportunidade histórica de reconhecimento de uma profissão mandatada para o desempenho de funções de enorme exigência técnica e ética que só podem ser desenvolvidas em ambiente de estima social, condição absolutamente necessária para que tenhamos melhor educação. Tendo ainda em referência as recentes medidas de política educativa, considero que a função docente reclama condições para um exercício profissional reflexivo e cooperativo no quadro do qual não é concebível uma visão hierarquizada, piramidal e segregacionista, de carreira. Indissociável da dignificação da carreira dos professores, a credibilidade da instituição escolar pede outro caminho, um caminho de maior responsabilidade e coerência, incompatível com soluções imediatistas, produzidas de forma avulsa e ao sabor de correntes de opinião pouco informadas e formadas. Ancorados num saber próprio, os papéis profissionais dos professores não podem ser burocraticamente definidos, sujeitos a vontades indiferentes à complexidade e à especificidade da realidade educativa. Pela mesma ordem de razões, julgo que o desempenho dos docentes não pode ser avaliado fora dos limites de uma autoridade profissionalmente legitimada. Aproveito para lembrar, porque nunca é demais faze-lo, que falar em condições de exercício profissional dos professores é o mesmo que falar em condições de aprendizagem dos alunos. Esta parece-me ser uma questão central em todo o debate sobre o insucesso escolar. Se queremos alterar os indicadores estatísticos que nos colocam permanentemente na cauda da Europa, então é preciso que tenhamos a coragem de procurar ver para lá da facilidade do visível, tentando compreender a realidade que se esconde por detrás dos resultados académicos, a realidade que os determina, os condiciona e os explica. Além do mais, a diferença, o sentido e o valor do modo escolar de aprender passa pela presença pessoal, humana, daquele que ensina. A meu ver, a autoridade pedagógica desta presença tem sido escandalosamente posta em causa, através de uma péssima lição de democracia, de cidadania, de humanidade dada por alguns dos protagonistas da nossa cena pública. Antes de ajuizar, é preciso conhecer e respeitar a vida e a história de uma profissão que no nosso país viu consagrado o seu primeiro ECD quase às portas deste novíssimo século XXI, depois de longo processo de luta protagonizado por homens e mulheres que, em contextos muito adversos, evidenciaram elevado sentido de responsabilidade cívica pugnando perseverantemente pela dignidade do «ser professor». Que esse testemunho de cidadania e de profissionalismo nos possa inspirar a todos nesta hora difícil e triste para quem acredita na educação e, desse modo, aposta num Portugal mais positivo.
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