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O ensino secundário e a avaliação dos professores

Parece-me mal que os professores sejam considerados os bodes expiatórios da situação algo calamitosa do ensino secundário, hoje quase reduzido a uma mera ?alfândega? de acesso ao ensino superior como acontecia no século XIX. Mas também me parece mal que se ignorem as suas evidentes responsabilidades ...

Em 1981, no livro intitulado Sistema de Ensino em Portugal (Fundação Calouste Gulbenkian), Maria de Lurdes Costa referia que o insucesso escolar dos alunos em Portugal não se poderia continuar a tolerar por mais tempo pois os seus elevados custos sociais e económicos punham em causa o desenvolvimento do país. Passados vinte e cinco anos as palavras daquela autora mantêm uma indesmentível e cruel actualidade. 
Na verdade, há cerca de 10 anos que a taxa de escolarização real do ensino secundário não ?descola? dos 57 a 58 por cento; ou seja, mais de 40 por cento dos jovens que deveriam estar a frequentar o ensino secundário anda a fazer não se sabe muito bem o quê?  Acresce que, dos 265192 alunos inscritos em 2003/2004 no ensino secundário regular, 89566, cerca de 33 por cento, reprovaram ou abandonaram a escola. Há cursos e anos de escolaridade em que reprovaram mais de 50 por cento dos alunos! E isto num contexto em que quase 64000 alunos (18%) dos cerca de 360000 inscritos no 3.º ciclo do ensino básico também reprovaram. Perdoem-me a brutalidade da expressão mas estamos em presença de uma espécie de chacina que, ainda por cima, está tendencialmente delimitada dos pontos de vista cultural e social. É gravíssimo.
Até agora temos sido incapazes de inverter uma situação relativamente à qual ninguém verdadeiramente se pode eximir de responsabilidades: governos, sindicatos, universidades, escolas básicas e secundárias, autarquias e, porque não dizê-lo, a sociedade portuguesa em geral.
Dizer mal é sempre fácil. Poucos são os que se têm mostrado empenhados em compreender as causas profundas dos problemas do sistema educativo. E menos ainda os que têm ousado propor medidas destinadas a combater os problemas.  Enfim, ?atiram-se? culpas em todas as direcções sem preocupações de rigor na análise de uma situação complexa que exige estudo, inteligência, discernimento e acção. Como um dia nos disse António Nóvoa, parece que, entre nós, quanto menos se estuda e investiga mais certezas se vão afirmando?
Parece-me mal que os professores sejam considerados os bodes expiatórios da situação algo calamitosa do ensino secundário, hoje quase reduzido a uma mera ?alfândega? de acesso ao ensino superior como acontecia no século XIX. Mas também me parece mal que se ignorem as suas evidentes responsabilidades no quadro das que também cabem às políticas educativas, ou à mera ausência de políticas, à organização e funcionamento do Ministério da Educação e das escolas, aos pais e encarregados de educação, aos alunos, às universidades e à sociedade portuguesa em geral.
A avaliação pode ser um processo clarificador e de tomada de consciência colectiva dos professores e das escolas quanto ao fraquíssimo desempenho do sistema escolar português, às suas principais causas e formas de as combater. A avaliação deve, antes do mais, incentivar e estimular o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, contribuindo para melhorar o ensino e, muito particularmente, as aprendizagens. Nenhum professor, profissional da educação e do ensino, receará as consequências de uma avaliação transparente, pois, por definição, ela potencia a valorização e a credibilização das suas competências científicas, pedagógicas e profissionais.
A avaliação pode e deve ser um processo consensual, democrático e transparente de recolha de informação útil relativa ao ensino, às aprendizagens, ao funcionamento das escolas e de todas as componentes constituintes do sistema educativo. Urge eliminar uma doença crónica que explica muitos dos problemas da sociedade portuguesa: a escandalosa inexistência de informação sobre o que quer que seja.  Não é por acaso que, anos a fio, se ergam obstáculos para impedir que as ?coisas se conheçam?. É mau que assim seja. Como poderemos transformar e melhorar as realidades se não temos informação sobre elas?
A avaliação dos professores não será a panaceia que vem resolver os problemas do ensino mas poderá ser um meio importante de regulação, de amadurecimento, de credibilidade e de reconhecimento de uma classe profissional que, evidentemente, está perante um dos dilemas mais desafiadores com que se viu confrontada nos últimos 30 anos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Domingos Fernandes
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação
Domingos Fernandes
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação

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