O coro pausado de cada sílaba se misturava ao silêncio da sala. As crianças já não se contentavam com um livro por encontro, mas exigiam dois e, às vezes, três.
No começo de tudo são as imagens que nos fazem despertar para o mundo: a imagem da mãe, do pai, do ambiente, das coisas. Assim é também o despertar para o prazer de ler, o prazer da leitura. Não quero, neste espaçotempo do texto, dar soluções e fórmulas pedagógicas para o ensino de leitura, mesmo porque não acredito que isso possa ser ensinado. Quero relatar acertos e erros dos quais fui testemunha ativa enquanto bolsista de extensão do Programa de Incentivo à Leitura LerUERJ, do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, posteriormente, como coordenadora de projetos de leitura em organizações não governamentais (ONGs) localizadas em comunidades de baixa renda, mas chamadas ?favelas?. Quem em sua infância não se lembra de ter ouvido histórias que fizeram sonhar e pedir para que fossem recontadas? Já há muito contava histórias para minha filha e percebi que ela passara a olhar as imagens dos livros e a recontar a história ouvida e sentida. Pensei, então, fazer o mesmo com as crianças que vinham visitar nossa biblioteca todas as terças e quintas-feiras, provenientes das classes de alfabetização de uma escola municipal localizada ao lado da ONG. Pois foi através da contação de histórias que tive minha primeira experiência como dinamizadora de leitura nessas comunidades. Nosso primeiro encontro foi um momento de conhecimento e reconhecimento do espaço. Elas precisavam saber onde estavam, quem eu era, o que faziam ali e porque tanta cor, tantas almofadas coloridas, colchonetes, e por fim, tantos livros. Ouvi de tudo: ?A tia vai contar historinhas? outra retrucou: ?não, ela já sabe ler, não precisa contar, vai ler?, ?tem livrinho à beça aqui, você já leu tudo, tia??. O olhar delas brilhava como se estivessem em um parque de diversões, e porque não? Ali era um lugar de sonhos e de desejos. Podiam naquele espaçotempo desejar, podiam esquecer a realidade que as esperava lá fora, podiam ter medos imaginários e esquecer os medos reais que sentiam a cada dia, a cada noite... Aquilo tudo era só delas! Encontro após encontro, contava uma história diferente e depois a dinamizava com o resgate das brincadeiras de infância, de minha infância: trava-línguas, o que é o que é, etc... Mas sempre vinha o mesmo pedido: ?Conta, tia, aquela história de novo?. Então eu argumentava: ? Hoje vou contar uma nova, mas depois deixo alguém contar pros colegas a do encontro passado?. Sendo assim, era preciso pensar muito para escolher a criança que iria narrar. A cada vez, entregava o livro escolhido a cada uma delas. Com a ajuda das imagens e do que havia absorvido da história, cada criança na sua vez, a ia contando numa seqüência lógica e emocionada. Agora era eu que os admirava. Essa dinâmica se deu por mais de quatro meses. Quando a maioria já conseguia ler algumas sílabas, passei a apresentar-lhes os livros com palavras. Agora não mais apenas imagens, mas letras e imagens que contavam histórias. O coro pausado de cada sílaba se misturava ao silêncio da sala. As crianças já não se contentavam com um livro por encontro, mas exigiam dois e, às vezes, três. Será que já eram leitores/leitoras? Bem, acredito que já tinham prazer no que faziam: não era para elas/eles uma obrigação para passar em provas e ter notas, mas era o momento delas/deles com aquele novo brinquedo: O LIVRO!
Nota: ERRO de a Página ? o artigo publicado nesta rubrica no mês de Junho com o título: «Meio ambiente, turistas e urubus», não é da autoria de Nilda Guimarães Alves mas sim de Neila Guimarães Alves, pelo erro as nossas desculpas às nossas duas colaboradoras.
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