Avaliar o sistema educativo parece ser um dos baluartes do actual Ministério da Educação. Tudo bem. Porém quase todos os enunciados oficiais enformam pressupostos muitas vezes com semelhanças demasiado evidentes aos discursos do senso comum. Frequentemente, é mais o não dito que fere os professores, ou os silêncios ruidosos que propiciam inferências pouco apreciáveis. Não podem os assumidos responsáveis pelo ensino em Portugal correr o risco de se confundirem com os juízos emitidos sobre a Escola num café de qualquer esquina, entre duas cervejas e um jogo do Mundial. Mesmo antes de ser destacada a crise da identidade profissional dos docentes, já era fácil ouvir criticar este ou aquele professor, com ou sem conhecimento, com ou sem objectividade. Avaliar o sistema implica uma retrospectiva dos últimos trinta anos, percebendo as tentativas de inovação de vários ministros (Roberto Carneiro, Manuela Ferreira Leite, Marçal Grilo, David Justino, José Augusto Seabra e tantos outros) curiosamente todos eles com dois pontos em comum: 1 ? ou eram do PSD, ou do PS; 2 ? todos saíram deixando a sensação de obra incompleta. Que fizeram? Que continuidade e sustentabilidade tiveram essas políticas? Que responsabilidade assumem estes dois partidos perante Portugal? Podemos avaliar os ministérios: máquinas entorpecidas onde se arrastam, em secretarias de estado e em direcções de serviços, anos após anos, funcionários superficialmente avaliados, cada um por si ou no seu conjunto donos de um poder enorme; salas, corredores e andares, concentrados nessa terra ridiculamente provinciana e de quase ninguém, que é a Lisboa do poder político, onde raramente se consegue uma resposta urgente à segunda-feira de manhã ou à sexta à tarde. Nas DREs, mudam os directores e os adjuntos com lufadas de ar fresco; o resto, igual: construções escolares, rede escolar, acção social - tudo gerido por gente que já só tem uma vaga ideia do que é uma escola; organismos ditos regionais, mas centralizadores e nada proporcionadores da autonomia das escolas ? combinações atrás das portas, telemóveis sempre a ?falar? no silêncio? E chega a vez dos sindicatos. Diz-se que há por lá destacamentos a mais; é bem possível? mas como é que se sabe? Quem é que já teve a preocupação, neste país democrático, de perguntar aos professores quem são, na sua opinião, os sindicatos que os representam, ainda que não sejam sócios? Há gente em excesso na FENPROF? Na FNE? No SINDEP? No?? Quem sabe? É preciso saber, é preciso avaliar. E depois fala-se. Nas escolas, centrar-nos-emos nos actuais Conselhos Executivos: têm sido dinamizadores? Inovadores? Pontes entre os docentes e o ME? Têm impulsionado a cultura democrática junto das associações de estudantes e das de pais e encarregados de educação, das assembleias de delegados de turma e de ano, dos departamentos e de outras estruturas das escolas? Ou têm-se limitado a gerir ?pastosamente? e acriticamente, ao longo de dezenas de anos, ordens dos diferentes Ministros, por vezes tão desapropriadas para os contextos em que se inserem? E como têm incrementado o funcionamento das Assembleias de Escola ? verdadeiros órgãos da Comunidade Educativa ? onde os pais podem avaliar o funcionamento das várias estruturas das escolas, incluindo as que só têm professores? Depois desta pirâmide chegamos aos professores. Gente cheia de dignidade, de cientificidade, de dedicação, de conhecimento humano. Gente séria! - para parafrasear a senhora directora regional de educação do Norte, num debate durante o mês de Junho na RTPN. Gente que deve ser avaliada. Que os há bons e que os há maus, já toda a gente sabe; como em tudo. Mas muitos bons e um ou outro a precisar de se (re)formar. Claro que o debate continuaria: bons para quê? Para ?ensinar? como pretende Nuno Crato? Para traçarem caminhos de aprendizagem autónomos? Para substituírem o papel cada vez mais crísico da família e das comunidades locais? Para garantirem sucesso? E qual? Académico? Relacional? ? Humano? E quem os formou inicial e ?continuamente?? Abriu recentemente em Gaia um megastore, recrutando empregados de antigos shoppings, cujos lugares foram ocupados por estudantes do secundário que abandonaram o ensino; alguns, bons alunos e com outras vocações, poderiam ter um curso superior, mas pouco houve a fazer, porque a fome aperta e o sofrimento alastra neste país. E não há projectos que resistam ao desconcerto social, por maior que seja o empenho dos professores, por mais organizada que seja a escola; é preciso que os ?senhores do Rossio? tenham algum dia trabalhado numa escola para saberem o que se passa. Que ainda que as coisas por vezes estejam teoricamente correctas e as mudanças sejam necessárias, é preciso que uma Ministra da Educação não tenha em nada um discurso parecido com o da nossa mulher-a-dias.
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