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Televisão − um novo lugar para aprender a dançar

Nas últimas três décadas no Brasil, a cada ano uma nova dança ganha espaço na televisão. Lambada, Dança da garrafa, Dança da Lacraia, Dança da Motinho, Cavalo Manco, Bonde do Tigrão. A mídia surge como referência e espaço privilegiado de circulação de novas danças, muitas delas até então com pouca visibilidade. Este fato me fez refletir sobre a experiência diferenciada promovida pelo cenário midiático contemporâneo, no qual a televisão se torna um referencial para usos, sentidos, práticas e novas pedagogias da dança. Processo que não está restrito simplesmente à exposição da dança na mídia, mas que implica também um novo jeito, uma nova e específica maneira de viver a experiência dançante, outras possibilidades de aprender a dançar.
Depois de ter realizado uma pesquisa investigando a dança nos videoclipes, fui buscar nos Estudos Culturais o suporte para entender a mídia como um lugar de aprendizagem que se esboça para além escola. Quando ouvimos o trecho: ?Quer dançar/ quer dançar/ o Tigrão vai te ensinar?, da música Cerol na mão, do Bonde do Tigrão,(1) ele não faz referência a nenhuma academia de ensino de dança, escola ou instituição educacional, muito menos a qualquer conservatório de belas artes. O cenário no qual a lição de dança proclamada pelo refrão se desenvolve é a televisão, invadida pela coreografia do Bonde do Tigrão, que no verão de 2001 se espalhou de norte a sul do Brasil, fazendo com que o grupo vendesse mais de 300 mil cópias do seu primeiro CD homônimo.
Tal exemplo indica que uma nova configuração está instituída: os videoclipes e programas de auditório de televisão são as novas salas de aula de dança; os professores, o Tigrão, a Tati Quebra-Barraco (do Cachorra chapa quente), a funkeira MC Beth (do Tapinha), as tchuchucas e as cachorras, entre tantas outras figuras que passam a ocupar lugar privilegiado na mídia. Recentemente surgiu nova bailarina-professora: a Lacraia(2) (da Éguinha Pocotó). É o fenômeno que o citado refrão do Bonde do Tigrão sublinha: o ato de ensinar a dançar agora também se articula num novo ambiente, a mídia.
O fenômeno revela uma nova dimensão das configurações sociais contemporâneas, que passam a ter a mídia como elemento estratégico para o seu entendimento. A pedagogia da dança é atravessada por esta nova dimensão, particularmente no contexto latino-americano, no qual a televisão incorpora dança e música em seu espetáculo cotidiano.
Programas como Domingão do Faustão (TV Globo) e Domingo Legal (SBT), além da presença de um elenco fixo de bailarinas, inclui em suas atrações musicais coreografias próprias, como o mais recente hit do verão 2006, Dançando Calypso que diz: ?chega pra cá meu bem, que eu vou te ensinar a nossa dança do Estado do Pará...mexa o pezinho, depois vai soltando todo o corpo de vez?.
Também nos videoclipes, a dança aparece tanto em inserções de diversos programas, seja do Fantástico (Rede Globo) ao Radar (TVE-RS), como em programas dos canais abertos especialmente dedicados ao gênero, caso do Clipmania (TV Band). Nos canais por assinatura, têm lugar privilegiado no Multishow e na GNT. Além disso, os videoclipes ocupam as 24 horas diárias da programação da MTV. A dança aparece nos vídeos de cantores nacionais como Daniel, Sandy & Júnior e Vanessa Camargo, bem como nos hits internacionais de Britney Spears e Madonna. E, em 2003, a emissora MTV colocou no ar um programa que evidencia a relação do gênero com a dança: o Dance o clipe.
Esse breve panorama da dança na TV permite constatar a presença expressiva e crescente da dança na programação televisiva brasileira, principalmente nas duas últimas décadas. Há muitos anos, meus avós aguardavam o final de semana para irem ao baile, dançarem e verem os outros dançar. Meus pais, quando jovens, para ensaiar alguns passos tocavam na eletrola de casa as músicas da moda. Hoje, vejo minhas sobrinhas diariamente diante da televisão, executando uma ampla gama de coreografias sem precisar aguardar o fim de semana: o ?baile? é ali, naquele momento. Se em sua adolescência minha mãe também dançou na sala de casa, ela não teve a possibilidade ver o movimento executado à sua frente na tela da TV, tampouco de assistir a esta coreografia quantas vezes quisesse. Ela tinha de contar com sua memória e com um professor.
Constituiu-se hoje um cenário para a dança que não existia há quatro décadas atrás. A mídia trouxe novas possibilidades de relação do público com a dança, ampliando e diversificando as possibilidades de vivenciá-la. Pensar as questões de dança/educação hoje não pode deixar de lado este fenômeno e suas implicações para quem aprende e ensina dança.

Notas:

1)Tigrão, apelido que significa o rei das gatinhas, é o apelido de Leandro Dionísio dos Santos Moraes, morador há 20 anos da Cidade de Deus, uma das regiões mais violentas do Rio. Ele lançou pela Sony Music, o CD Bonde do Tigrão, que traz além do sucesso homônimo, o hit Tchutchucas. Disponível em: <http://www.terra.com.br/istoegente/83/divearte/musica_bonde_do_tigrao.htm>. Acesso em: 11/05/2004.

2) O cabeleireiro Marco Aurélio Silva da Rocha, de 27 anos, a Lacraia, ganhou o apelido porque se contorce como o homônimo inseto. Ele dançava nos bailes funks cariocas sob o pseudônimo Margareth Robocop, quando passou a acompanhar MC Serginho. O Furacão 2000 Twister, disco que contém Eguinha Pocotó e ainda a canção Vai Lacraia, vendeu de saída, mais de 150.000 cópias e levou a dupla a fazer cerca de quinze apresentações por fim de semana a um cachê médio de 2.000 reais. Além disso, a Lacraia ajudou o Domingo Legal, de Gugu Liberato, a fazer 20 pontos no Ibope, enquanto o Domingão do Faustão ficava nos 16. (Veja On-line/ Edição 1.791, de 26 de fevereiro de 2003.). Disponível em:< http://veja.abril.com.br/260203/p_101a.html>  Acesso em: 19/05/2004.

Bibliografia:

  • TOMAZZONI, Airton. No embalo do videoclipe: a dança midiatizada na televisão e a relação com o público adolescente. Unisinos, 2005. 282 p. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação, Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, RS, 2005.


  
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Airton Tomazzoni
Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leonardo, Brasil
Airton Tomazzoni
Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leonardo, Brasil

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