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«O anjo de pernas tortas»

É incontornável. O futebol é incontornável ?A um passe de Didi, Garrincha avança?. Os heróis do momento têm outros nomes. Didi foi o melhor jogador do campeonato do Mundo de 1958. Brasileiro, como Garrincha, o anjo das pernas tortas que também jogou nesse campeonato realizado na Suécia.
?Colado o couro aos pés o olhar atento?. Parece coisa de relato radiofónico mas é apenas o segundo verso de um soneto, de Vinícius de Morais. ?Dribla um, dois, depois descansa, // como a medir o lanço do momento?. Um outro escritor, italiano,  diz que ?a poesia no futebol são os lances de invenção, os dribles e os golos -  Bola na rede é pura poesia, é o instante sublime do soneto.?. Julgo que o texto é de Pasolini.
Fiori Gigliotti era brasileiro claramente de origem italiana. Morreu na véspera da abertura do Campeonato do Mundo Germany 2006. Tinha 77 anos de idade e dez campeonatos do Mundo de futebol como relatador radiofónico. Não esteve, há quatro anos, no Campeonato da Coreia / Japão  nem apenas para dizer ?Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo" , uma das suas frases preferidas.
Volto a Vinícius de Moraes e ao anjo das pernas tortas: ?Vem-lhe o pressentimento; ele se lança // Mais rápido que o próprio pensamento, // Dribla mais um, mais dois; a bola trança // Feliz, entre seus pés - um pé-de-vento!?. Garrincha era apelido. Na verdade é nome de pássaro de cauda vermelha, que o Garrincha caçava, em Pau Grande, quando era pequeno.
?Num só transporte a multidão contrite // Em ato de morte se levanta e grita // Seu uníssono canto de esperança. // //  Garrincha, o anjo, escuta e atende: - Gooooool! // É pura imagem: um G que chuta um O // Dentro da meta, um L. É pura dança!?
Torcidas de Angola, do Brasil e de Portugal, carinhosamente, bom dia, boa tarde ou boa noite, conforme a hora e o local onde se encontrem. Bordões de futebol, à Fiori Gigliotti, relatador desportivo que fazia da rádio uma oficina de poesia. À maneira dele, é claro, mas nem por isso menos poesia, que é coisa que também pode andar, de quando em vez, de braço dado com o futebol.


  
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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