Os adolescentes sexualmente activos não estão mais informados sobre métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis do que aqueles que ainda não se iniciaram. Além disso, e apesar das inúmeras campanhas públicas sobre esta questão, as fontes privilegiadas de informação são as mães e os professores. Estas conclusões resultam de um estudo intitulado ?Conhecimentos, atitudes e comportamentos sexuais em adolescentes sexualmente activos e não activos, estudantes do 9º ao 12º ano de escolaridade?, realizado junto de 204 adolescentes entre os 14 e os 21 anos de uma escola urbana do norte do país. O estudo foi coordenado por Francisco Sampaio, Professor Assistente do Centro de Estudos em Psicologia da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, e Dora Bastos Silva, licenciada em psicologia por esta universidade. Nesta entrevista, Francisco Sampaio explica as razões que, na sua opinião, estão por trás destes resultados e porque motivo considera que a educação sexual deve ser encarada como uma área de formação onde os alunos deveriam ser avaliados.
Francisco Sampaio, autor de estudo sobre conhecimentos sexuais na adolescência, defende que:
Em que contexto surge a realização deste estudo?
Este estudo resulta de uma tese monográfica de final de curso que pretende avaliar os conhecimentos sobre doenças sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos e os comportamentos e atitudes sexuais dos adolescentes. Apesar de muito já se ter falado sobre este tema, ele continua a manter uma grande actualidade pelas repercussões sociais, pessoais e familiares decorrentes da falta de informação sobre esta matéria, do qual a gravidez adolescente é apenas um exemplo preocupante.
Quais foram as principais conclusões que este estudo permitiu retirar?
Uma das principais conclusões retiradas deste estudo foi verificar que não se registam grandes diferenças de conhecimento entre os adolescentes sexualmente activos e os não activos, quando estes últimos deveriam, à partida, em virtude da idade e da experiência, estar melhor informados sobre estas matérias.
Esse dado parece revelar, à partida, que as campanhas públicas de informação não estão a surtir efeito?
Sim. Poderá haver várias razões sociais e sociológicas que ajudem a explicar este fenómeno, mas na minha opinião ele assenta num certo fracasso do papel da educação pública. Este argumento é evidenciado, nomeadamente, pela dualidade de critérios que faz com que em algumas escolas a educação sexual esteja presente e em outras não, conclusão, aliás, que penso ter sido referida pelo Grupo de Trabalho para a Educação Sexual, coordenado pelo psiquiatra Daniel Sampaio. Ao mesmo tempo, o acesso aos serviços de saúde não está ainda generalizado na medida do necessário, o que se manifesta, por exemplo, na falta de técnicos de saúde nas escolas. É lamentável que desde há 25 anos esteja reconhecido na lei a importância e o dever do Estado na formação para a educação sexual e pouco tenha sido feito. Nestas circunstâncias, não será de estranhar que, comparativamente a outros países europeus, ainda estejamos tão atrasados nesta tarefa.
Pensa que a escola estará preparada para trabalhar com este tema?
Os professores estão supostamente preparados porque há uma certa pressão social para afirmar que têm preparação e disponibilidade para abordar este tema. Dificilmente algum inquérito afirmará o contrário. Mas de facto talvez não estejam. Num inquérito realizado recentemente, aliás, mais de metade dos professores afirmava-se disponível para participar em acções de formação na área da sexualidade mas consideravam que não tinham uma preparação adequada.
Que outras conclusões são retiradas deste estudo?
Outras das principais conclusões prende-se com o facto de as fontes de informação privilegiadas pelos alunos, em ambos os géneros e em todas as classes etárias, serem a mãe e os professores. Mais especificamente, os adolescentes sexualmente activos dão preferência à mãe e às leituras quando se trata de informações relativas à concepção, gravidez e parto, os não activos à mãe e aos professores. No que se refere às doenças sexualmente transmissíveis, os activos privilegiam as fontes impessoais, como os professores e as leituras, os não activos os professores e a mãe. Este dado é curioso porque não se enquadra nos estudos que têm sido realizados sobre este tema, onde habitualmente se enfatizam as fontes de informação impessoais ou mais anónimas, por supostamente facilitarem a abordagem de um tema delicado e gerador de um certo constrangimento entre os adolescentes.
Porque razão pensa que isso se verifica?
Acho que não haverá grandes dúvidas sobre o facto de sermos ainda uma sociedade relativamente matriarcal. O prolongamento da permanência em casa dos pais, que caracteriza uma percentagem significativa dos jovens adultos portugueses, serve para reforçar esta ideia. Não é de estranhar, neste contexto, que as diversas fontes de informação presentes na sociedade acabem muitas vezes por não se substituir a esta fonte mais próxima.
Será que se justifica o prolongamento da discussão sobre um tema que já demonstrou reunir consenso?
Este tema tem visibilidade social e suscita sempre alguma curiosidade. Socialmente, julgo que ainda mantemos uma certa atitude de auto-restrição que não permite um debate saudável e equilibrado como tem acontecido em outros países da Europa. Mesmo em países com raízes puritanas, como os Estados Unidos, existe um certo consenso público sobre esta matéria. Em Portugal há vontade que isso aconteça, mas ainda não conseguimos avançar para a sua concretização.
Não considera que poder político deveria ter sido mais pragmático na implementação da educação sexual nas escolas, mesmo correndo o risco de a medida se revelar impopular junto de alguns sectores mais conservadores?
Na minha opinião a resistência não advém do poder político, antes deriva da percepção de que haverá sempre alguma resistência cultural implícita, seja por parte dos pais seja por parte dos professores, expressa ou não por estes, em relação a este tema. Na prática podemos ser tão liberais quanto os nórdicos, mas creio que em termos de discussão pública assumimos uma posição muito conservadora. Talvez a solução passe por desviar a carga moralizante subjacente à educação sexual e encará-lo sobretudo como um assunto de saúde pública. Desta forma, julgo que poderia existir espaço para uma maior objectividade no debate público.
O Grupo de Trabalho para a Educação Sexual defende que a educação sexual seja incluída numa área de educação para a saúde. Qual é a sua opinião?
Eu penso que existe alguma dificuldade em encaixar a educação sexual no actual modelo escolar, dada a rigidez da organização disciplinar e dos próprios programas. A senhora ministra da Educação já veio defender que esta matéria deveria ser abordada transversalmente. Esse modelo parece ser conceptualmente o mais atraente, mas em termos práticos não acredito que traga muitas vantagens. Isto, porque se corre o risco de diluir a formação, dividindo-a por vários responsáveis e por várias disciplinas, fazendo com que a mensagem possa perder a eficácia desejada. Por outro lado, há quem defenda que esta matéria não deva ser equiparada às restantes disciplinas em termos de frequência, avaliação e notas, argumentando que este tema tem um carácter mais amplo, que não se trata apenas de conhecimentos mas de atitudes, etc. Na minha opinião, penso que se deveria, no mínimo, procurar avaliar os conhecimentos objectivos, com a sensibilidade que deve rodear um tema que possui uma forte componente ética, e que nesse sentido poderia incluir a participação de vários agentes. Mas isso não impede que se possa pôr em prática um programa de formação que seja eficaz, objectivo e mensurável. Penso que desta forma os alunos estariam mais conscientes para perceberem que uma matéria desta natureza não se pode limitar à formação de uma opinião, mas que implica adquirir conhecimentos objectivos.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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