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O exame de consciência

O poder dos exames é afinal pequeno e não se traduz em resultados muito relevantes, apesar de terem levado à mobilização real de muitos recursos e esforços, dentro e fora das escolas (...) Li textos das décadas de 40 e 50 do século passado, relativos ao ensino da elite durante o regime fascista, que podiam ser escritos sobre o presente no que aos erros e à má fortuna dos  resultados se referem.

  1. Professor de uma escola secundária pública, da casa onde durmo até à escola onde vivo, quaisquer que sejam as ruas que tome para caminho, sinto-me acompanhado pelas persianas corridas das janelas das escolas concorrentes que se foram instalando nos apartamentos em volta das três escolas secundárias públicas.  Escrevo concorrentes, porque cada uma delas tem em comum com alguma das escolas públicas (e comigo, claro!), os alunos, os programas de ensino e, finalmente, os resultados.
    Nada me move contra a iniciativa privada em geral e, muito menos, contra a iniciativa que emprega jovens licenciados em ensino disto ou daquilo que não arranjam trabalho nas escolas públicas e privadas.  E não tenho qualquer dúvida em afirmar que cada pai ou cada mãe (ou ambos) tem o direito de decidir que ajudas dar aos seus, quando e como. (E deve ou não haver restrições sobre a liberdade de ensino?)
    Constatando que os alunos são os mesmos, tenho de  reconhecer que os nossos resultados conjuntos são muito fracos. E isso é muito preocupante para mim. A ajuda que os pais e os encarregados de educação estão a dar às escolas públicas é um investimento com fraco retorno em geral, tanto quanto à matemática diz respeito.
  2. De um modo geral, temos aceitado como verdadeiros os argumentos sobre o poder regulador dos exames. De facto, há dados que nos garantem que sem exame nacional não seriam abordados todos os temas dos programas nacionais na generalidade do território. Se é importante garantir o acesso de todos os jovens aos grandes temas, o exame é importante. E é sobre as disciplinas sujeitas a exame nacional e de cujo aproveitamento depende o acesso a cursos muito procurados que se concentram os esforços dos jovens e das suas famílias.  O esforço dos jovens aparece concentrado sobre estas disciplinas, mas ninguém parece ter  razões para celebrar grandes êxitos sobre tanto trabalho. O poder dos exames é afinal pequeno e não se traduz em resultados muito relevantes, apesar de terem levado à mobilização real de muitos recursos e esforços, dentro e fora das escolas.
  3. Nas escolas privadas, em que os pais atribuem à  instituição um mandato exigente, aceite pelos jovens com elevadas expectativas de sucesso escolar, os resultados  dos grupos de trabalho também não entusiasmam. Para grupos reduzidos de alunos com grande investimento em tempo de leccionação, apoio e acompanhamento do estudo, uma média de catorze é mau resultado. Pior ainda se atentarmos no que ouvimos aos responsáveis, pais, alunos e professores, que põem a tónica mais na preparação dos exames que no desenvolvimento de competências, em conhecimento e em cultura.
  4. Em Portugal, a natureza das provas é de conhecimento público. Os programas dos exames são os programas nacionais das disciplinas, mas o tipo de questionamento é patente em provas de exame de anos passados e em momentos de transição é mesmo publicitado especificamente com exemplos de perguntas, aos quais se acrescentam respostas esperadas e até critérios a ser seguidos por professores correctores. Está claro que é reconhecido não haver qualquer surpresa no programa de exame face à floresta de indicações que não há quem denuncie como floresta de enganos.
  5. Parece que surpresa só há uma: a dos maus resultados nos exames e mais nenhuma. E é falsa esta surpresa já que nos acompanha desde há muitos anos. Li textos das décadas de 40 e 50 do século passado, relativos ao ensino da elite durante o regime fascista, que podiam ser escritos sobre o presente no que aos erros e à má fortuna dos  resultados se referem.
  6. O que é que está a acontecer? Sendo uma falsa surpresa, tantas vezes repetida, já devia ter merecido uma atenção que, trocada por miúdos, se tivesse transformado em  medidas de política que atendessem a uma multiplicidade de necessidades e se desenvolvessem por largos períodos,  com uma perseverança tal que as adaptações, sempre necessárias, aparecessem como consistentes partes da política a seguir  e não como acidentais marcas das mudanças de directores gerais, ministros ou governos.
  7. Falta o exame das políticas? Não resolve. Chumbar governos da alternância também não resolve, como se tem visto. Então?

  
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Arsélio de Almeida Martins
Aveiro
Arsélio de Almeida Martins
Aveiro

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