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Genética, biotecnologias e a pedagogia cotidiana do medo

Quem nunca teve a impressão de carregar, dentro de si, uma ?bomba-relógio?, pronta a ser detonada por comportamentos considerados impróprios pelos especialistas? (...) vamos aprendendo a ter esperança e otimismo frente aos benefícios médicos que podem vir da Biologia, e a ter confiança na Ciência e nos seus cientistas.

Desde 2004, no Brasil, a ?novidade biotecnológica? que tem movimentado os meios de comunicação é a alegada possibilidade de utilização de células-tronco adultas e embrionárias no combate ao envelhecimento, no reparo de tecidos e órgãos lesados, bem como no tratamento de uma miríade de doenças e condições, genéticas ou não. O sítio de uma empresa brasileira de biotecnologia, por exemplo, oferece a pais e mães amorosos e dedicados ?o poder de preservar essa fonte de vida [o cordão umbilical do bebê], congelando as células-tronco do sangue do cordão, depois do nascimento?. Tal poder equivaleria à contratação de um ?seguro biológico para o bebê e até para a família?, nas palavras da própria empresa, já que o corpo humano é representado como ?frágil?, ?passível de deterioração? com o passar do tempo e potencialmente doente. 
E na mídia em geral, estatísticas não faltam para reforçar essas representações: freqüentemente, somos alertados de que mais de 1500 doenças são causadas, pelo menos em parte, por fatores genéticos; uma pessoa em cada 20, ao chegar aos 25 anos ? ou uma pessoa em cada tres, até o final da vida ?, sofrerá de alguma doença genética; além disso, segundo o referido sítio, ?cada filho é único, e a probabilidade de irmãos serem perfeitamente compatíveis é de um para quatro? (assim, ?não é possível prever se uma das crianças ? e qual delas ? eventualmente necessitará de um transplante?). Mundana e catastroficamente, diversas instâncias culturais nos apresentam nossos ?demônios internos? e, claro, nossa salvação; mostram danação, sofrimento, morte e incapacitação física, mas também mostram curas ?fantásticas?, tratamentos ?revolucionários?, soluções ?milagrosas? e alternativas ?viáveis? para o envelhecimento e a perda. A vontade parece ser quase sempre a mesma: estender a vida humana, de modo a torná-la cada vez mais produtiva; ?aliar tecnologia, conhecimentos e segurança para (...) proteger a vida? ? a missão da já referida empresa de biotecnologia.  
Quem nunca se maravilhou com os avanços da medicina, ?materializado? nas experiências com células-tronco e nas novas terapias gênicas? Quem nunca teve a impressão de carregar, dentro de si, uma ?bomba-relógio?, pronta a ser detonada por comportamentos considerados impróprios pelos especialistas? E quem ? sabendo de um serviço de coleta de sangue de cordão umbilical ? nunca cogitou garantir a saúde futura de um filho?
Em meio a essa ?bioforia? (Van Dijck, 1998), não somos meros espectadores, mas ativos e participantes consumidores de qualquer novidade nesse campo, aprendendo alguns modos de ser pai/mãe responsáveis (por exemplo, atentando para os riscos ? essa pedagogia cotidiana do medo ? e os limites do corpo e da vida), bem como determinados jeitos de planejar nossas ações futuras. Também vamos aprendendo a ter esperança e otimismo frente aos benefícios médicos que podem vir da Biologia, e a ter confiança na Ciência e nos seus cientistas. E, enquanto educadores, penso que precisamos estar muito atentos a essas lições e a essas novas configurações da vida contemporânea ? questionando práticas corriqueiras e desconfiando de condutas e ?necessidades? aparentemente óbvias e naturais.

Referência Bibliográfica:

  • VAN DIJCK, José. Imagenation. Popular images of genetics. Washington Square, New York: New York University Press, 1998.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Daniela Ripol
Doutora em Educação, pesquisadora do Grupo de Estudos em Educação e Ciência como Cultura (GEECC-UFRGS). Professora do Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha (CESUCA/RS). Brasil
Daniela Ripol
Doutora em Educação, pesquisadora do Grupo de Estudos em Educação e Ciência como Cultura (GEECC-UFRGS). Professora do Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha (CESUCA/RS). Brasil

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