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A caricatura da liberdade contra a liberdade (até das caricaturas)

Tem corrido muita tinta desde as primeiras explosões de revolta contra a publicação de caricaturas do profeta Maomé em jornais da extrema-direita dinamarquesa, logo glosados por congéneres de outros países europeus, culminando este processo provocatório com a exibição na televisão italiana, por um ministro do governo de direita de Berlusconi, de uma t-shirt decorada com o mesmo tipo de caricaturas. Cenário que tem vindo a ser acompanhado de ?apaixonados? debates sobre a intocabilidade da liberdade de expressão, que seria inerente à natureza da matriz civilizacional ocidental. Daquela que, ao longo da sua história, não hesitou em recorrer ao assassinato e ao genocídio ? desde as chacinas de judeus e protestantes às mãos da Inquisição, passando pela aniquilação dos ameríndios, a par do tráfico negreiro e da escravatura, de braços dados com a opressão colonial sobre grande número de povos não europeus, culminando no genocídio dos judeus europeus pela barbárie nazi (com o conhecimento e a conivência dos aliados ?democráticos?), crime contra a humanidade só igualado pelo extermínio de milhões de opositores por parte do estalinismo ? para preservar o domínio dos interesses dos poderosos sobre os povos do mundo inteiro.
E é precisamente na altura em que o povo palestiniano e o povo iraquiano se empenham na reconquista da sua soberania e liberdade contra toda a gama de opressores e ocupantes das suas terras, que aparecem estes ?paladinos da liberdade??! Que nunca se ergueram contra a expulsão do povo árabe da Palestina das suas casas e terras pelos agentes sionistas do imperialismo desde 1948, nem contra a recente guerra de agressão e consequente ocupação militar do Iraque pelas tropas americanas e inglesas (e seus lacaios menores) à conta dos interesses da plutocracia petrolífera! E que também nunca pugnaram pela defesa dos mais elementares direitos dos detidos de Guantánamo ou de Abu-Grahib, prisões fora de qualquer controle legal, onde se humilha, tortura e mata impunemente! Nem contra o silenciamento de televisões árabes independentes, como a Al-Jahzira, precisamente por tentarem preservar a liberdade de expressão, enquanto pressuposto de uma informação isenta, que nunca deixou de denunciar as verdadeiras motivações da invasão do território iraquiano!
 É assim que estes ?paladinos da liberdade? não hesitam em renovar, com a sua vozearia histérica e sempre em nome da liberdade de expressão, as provocações contra os sentimentos religiosos dos muçulmanos, generalizando sistematicamente a sua identificação com terroristas. Ao atiçar ódios sectários contribuem não só para um novo impulso do anti-semitismo e do correlativo revisionismo histórico, mas, sobretudo, para um clima de caos, sobre cuja gestão assenta a estratégia dos opressores da Palestina, do Iraque e dos restantes países e povos oprimidos do Médio-Oriente, como o demonstram os objectivos provocatórios subjacentes às recentes destruições de mesquitas sunitas e chiitas no Iraque. 
Na certeza, porém, de que serão os povos destes países, em articulação com a luta dos oprimidos de todo o mundo, que protagonizarão a reconquista da liberdade e da soberania sobre as suas terras, contra todas as violências e embustes com que as queiram camuflar!
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2006


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

José Marques Guimarães
Universidade Aberta, Lisboa
José Marques Guimarães
Universidade Aberta, Lisboa

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