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Histórias de quem não sabe ler nem escrever

ANALFABETISMO

?Se uma pessoa
não é habituada
a fazer certas coisas
não lhes sente a falta!?

Felicidade Ferreira, 68 anos, sempre ouviu dizer que ?quem tem vergonha passa mal?, por isso, nunca teve embaraços com o facto de não saber ler nem escrever.
Não ir à escola foi algo muito natural numa família onde a mãe, as tias e as cinco irmãs também não foram. ?Eram tempos difíceis?, recorda Felicidade Ferreira.  ?Tempos de uma sardinha para duas pessoas?, acrescenta sem qualquer figura de estilo. ?Quem comesse a metade da cabeça num dia, comia a do rabo no outro.?
Foram essas dificuldades que levaram Felicidade Ferreira, a trabalhar como empregada domestica com apenas sete anos. ?Fui servir para casa de uma senhora...? Mas enquanto era ?cachopa? trabalhava só pelo prato que comia e pelo tecto. A ausência de casa dos pais era já um alívio para o orçamento familiar para o qual passou também a contribuir assim que começou a ganhar pelo seu trabalho. ?Mesmo assim nunca tive dinheiro nas mãos?, constata. A sua mãe precisava do pouco que  ganhava e semanalmente aparecia para receber o ordenado da filha. ?Pouco juntei para o enxoval por causa disso...?, desabafa.
Nunca teve outra profissão que não a de ?cozinhar, lavar, limpar e passar a ferro?. E mesmo depois de casada continuou a ?servir? em várias casas. Como nunca lhe faltou emprego, Felicidade Ferreira não sentiu necessidade de aprender. ?Naquela altura não fazia falta ler e escrever?, constata dizendo que ?ninguém ficava desempregado por isso?. Por sempre ter sido ?uma mulher de trabalho?, diz nunca ter tido tempo nem vontade de frequentar a escola depois de adulta.
?Levei uma vida de escrava?. Talvez por isso a revolte ouvir dizer que ?a vida está má?. ?A vida agora está muito boa, quem diz que não só pode estar tolo!?, atira Felicidade Ferreira. ?Claro que com o fim dos escudos as coisas ficaram mais caras...? E por falar na moeda... A mudança para o Euro foi um momento da sua vida em que receou que o seu analfabetismo a pudesse atrapalhar. Mas para sua surpresa ?lidar com os euros acabou por ser a maior das facilidades?. O truque é fazer mentalmente a multiplicação dos euros e ver quanto dá o cálculo em escudos. ?Assim vejo logo se o preço é o justo ou não!? No seu dia-a-dia, é o marido que trata dos assuntos que implicam a leitura e a escrita. Quando pensa nas consequências de não saber ler ou escrever, Felicidade apenas nota o seu desinteresse pela televisão. ?Nunca tive assim muita vontade de ver filmes...?, que não sendo falados em português não lhe interessam. Vê apenas algumas telenovelas portuguesas e brasileiras. Quanto ao resto, os jornais e revistas que não lê, o que deixa de fazer por ser analfabeta, Felicidade faz uma análise muito pragmática: ?Se uma pessoa não é habituada a fazer certas coisas não lhes sente a falta!?
Enquanto mãe, Felicidade soube perceber a falta que a escolaridade iria fazer aos filhos. ?Sempre quis que eles estudassem porque sabia que o seu futuro ia depender dos estudos?, esclarece e tanto tinha razão que constata:  ?Hoje, Deus me livre se um pai não põe um filho na escola!?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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