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O desequilíbrio Ciências-Humanidades

Será que os portugueses não precisam mesmo de mais Ciências Exactas e Naturais depois de terminarem o actual Ensino Básico (9º ano)?

São frequentes as opiniões sobre quais devem ser as áreas prioritárias de estudo dos alunos no Ensino Secundário. As diferentes reformas do ensino em Portugal (e noutros países) frequentemente alterando os equilíbrios, nem sempre de forma prudente, entre o que genericamente se designa como Ciências e o que é classificado como Humanidades.
Qual a situação actual?
No Ensino Secundário português (decreto-lei nº 74/2004 de 26 de Março), a componente de formação geral, obrigatória para todos os alunos do ensino secundário (incluindo cursos tecnológicos e artísticos especializados), é constituída por quatro disciplinas: Português (3 anos), Língua estrangeira (2 anos), Filosofia (2 anos), Educação Física (3 anos) e TIC (1 ano). Ou seja: Humanidades: 7 anos, Ciências: 0 anos, outros: 4 anos.
Há actualmente cinco cursos científico-humanísticos (antes chamavam-se cursos gerais) no ensino secundário. No curso de Ciências e Tecnologias os alunos devem escolher três entre catorze opções possíveis; três delas são de Humanidades (?Clássicos da Literatura?, ?Ciência Política? e ?Psicologia B?). No curso de Línguas e Literaturas, das catorze opções possíveis só ?Aplicações Informáticas B? não é de Humanidades.
Será que os portugueses não precisam mesmo de mais Ciências Exactas e Naturais depois de terminarem o actual Ensino Básico (9º ano)?
É difícil sustentar esta ideia na sociedade actual. Todos os cidadãos são chamados continuamente a tomar decisões em assuntos que envolvem um substancial conhecimento científico. Por exemplo, tomámos conhecimento recentemente pelos jornais que, nas eleições autárquicas de 2005, em mais de 40 concelhos e freguesias, os mandatos foram incorrectamente atribuídos porque as pessoas presentes nas assembleias de apuramento eleitoral não souberam aplicar correctamente as determinações matemáticas da lei ou erraram a matemática do método de Honda. Os avanços da Medicina colocam cada vez mais tratamentos à nossa frente: deveremos escolhê-los? Dizem-nos que os medicamentos genéricos são bons e baratos: são mesmo eficazes? Sabemos ler e interpretar contratos de seguros e cartões de débito ou crédito? Dizem-nos que é muito fácil (quase instantâneo) obter empréstimos: quanto nos vai custar realmente pagá-los? Estamos sempre a ser bombardeados com estatísticas a propósito de tudo e mais alguma coisa: sabemos interpretá-las? Compreendemos os desafios das mudanças ambientais e estamos preparados para mudar o nosso modo de vida passando a usar diferentes formas de energia?
O que aprendem na escola preparará os portugueses para gerirem o seu orçamento familiar? Não é fácil pagar as contas, gerir empréstimos com prazos de pagamento diferenciados, pagar impostos a tempo e horas, e saber reclamar quando a administração se engana ou actua injustamente em relação às nossas finanças.
Muitos mais exemplos poderiam ser avançados...
Não só estudos alargados de Matemática e Ciências Físicas e Naturais são indispensáveis no mundo de hoje, como a carga horária das disciplinas actualmente existentes necessita ser reforçada. Nalguns países, como no Canadá, o estudo dos orçamentos pessoais e familiares faz mesmo parte do currículo de Matemática (?descrever e estimar os custos de vida envolvidos em diferentes tipos de agrupamentos familiares ? por exemplo uma família de quatro, incluindo duas crianças; uma pessoa jovem sozinha; um pai com um filho. Desenhar um orçamento adequado a uma família descrita num determinado estudo de caso, reflectindo os custos correntes de itens comuns.?).
O actual desequilíbrio entre as Ciências e as Humanidades no ensino secundário português precisa de ser revisto; não é admissível que, no século XXI, haja alunos que terminem a sua formação de Matemática e Ciências Exactas ou Naturais no 9º ano de escolaridade. O mesmo se passa aliás em muitos cursos do ensino superior onde nem uma simples disciplina de Estatística está presente.
Nada disto significa que as Humanidades não sejam importantes, mas antes que os estudos de um aluno, no mundo de hoje, não se podem reduzir às Humanidades em nenhuma circunstância.


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências
Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências

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