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Eduardo Olímpio ou a escrita como oralidade

A "escrita" de Eduardo Olímpio, na poesia e na prosa, como neste  seu último livro de histórias, tem-se afirmado quase sempre numa atitude de ironia, protesto e revolta por parte de quem deliberadamente se colocou à margem de grupos literários e, na opinião de Branquinho da Fonseca, é realmente ?uma força poética tão grande e um tão profundo conhecimento da vida como muito raramente nos foi dado ver em páginas de novos ou de mestres consagrados?.  Na verdade, a vocação poética do autor de António dos Olhos Tristes delimita-se nos valores próprios do mundo de origem, um Alentejo permanentemente enaltecido e reinventado, mesmo vivendo em Lisboa há muitos anos, na constante preocupação de pelos ecos da memória nunca por nunca trocar os valores de infância pelos conflitos ou descoberta da grande cidade.
Mas a pessoal "aventura" de Eduardo Olímpio por vários caminhos e ofícios decifra-se ainda pelo sentido marcadamente sarcástico como em ?ficções? tão simples como nas deste livro ?Moça Querida?, que acaba de publicar, porque de novo se trata de histórias de um pendor poetizado, tantas vezes cândido e lírico, e desse modo afirma uma clara posição literária de quem reinventa um sentido para a vida e assim fala de forma  comovida das gentes de um Alentejo nunca esquecido e se levanta como memória de antigas "histórias fabulosas contadas pelos avós, à lareira, nas longas noites de inverno". 
Mas, no acto de saber misturar as águas e os tempos, as sombras e os lugares que se cruzam pelos destinos da vida, Eduardo Olímpio sincera e emocionalmente fala sempre de pessoas que andam a seu lado, vivem nos mesmos lugares, viajam nos mesmos autocarros, moram nos mesmos prédios, enfim, passam a vida como a vida assim consente, nas alegrias e tristezas, astúcias ou cobardias, medos e até em certos e calados actos de coragem. Mas no propósito claramente satírico de encarar as coisas mais simples, Eduardo Olímpio revela um natural modo de fixar a vida com exacta verosimilhança, sem utilizar grandes artifícios literários. E assim se mostra diante do leitor com uma força expressiva e uma verdade narrativa que se pode pensar que tudo o que nos conta, mesmo que percorra o imaginário do Alentejo ou capte cenas do quotidiano na grande cidade, nada parece ser "reinventado" ou filtrado pela sua evidente oralidade   ficcional, porque nessas histórias tudo se arvora como imagens retiradas da vida e de uma experiência sabida, como as cenas de um "filme" que se projecta diante dos nossos olhos.
Por outro lado, o sentido "mágico" da escrita no desejo de reabilitar os lugares de infância nos campos do Alentejo ou desejar falar de qualquer  "aventura" numa cidade grande como é Lisboa, na propositada interligação dos planos narrativos e pelo sentido literário insistentemente irónico, com referências culturais que entram a tempo, tudo nos leva a entender esses cenários como se as personagens entrassem e saíssem de cena, dessem o seu recado, e alegre ou tristemente abandonassem depois o palco da vida.  Por isso, Eduardo Olímpio de novo nos faz compreender, nas histórias de ?Moça Querida?, esse espírito memorialista de reviver o passado pelas ruas e cafés de Lisboa ou ainda pelas inalteráveis paragens de um Alentejo que mora longe e se redescobre como matéria ficcionista nos seus contos.

EDUARDO OLÍMPIO
MOÇA QUERIDA, contos
Ed. Escritor / Lisboa, 2006.


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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