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As aulas de substituição ou submissão?...

«Como diz Sofia Silva, que tem feito observações sistemáticas dos universos juvenis no interior da escola, ?estes jovens já não vivem em tensão com a escola, não fazem escolhas, porque  já desistiram de dar sentido à sua existência  na Escola.  (...) A escola pretende  incluir na sua ordem  aquilo  que lhe  é estranho, aquilo que corresponde ao diferente. Neste esforço de  inclusão, que quase parece ser um esforço de  anulação da  diferença, a escola  evita o questionamento de si, evita a pergunta sobre ela própria  como lugar de tensões?.»

Matos, Manuel, O Ensino Secundário esse desconhecido (IV)
In Página, Janeiro de 2006

As aulas de substituição contribuíram para reconduzir o problema do ensino, nas escolas públicas. A publicação, em Agosto, do despacho que regulamenta a componente não lectiva tinha como propósito garantir a presença dos professores nas escolas, retirando aos alunos ?furos? no horário e nivelando os docentes por igual, estivessem ou no início ou no fim da carreira.
Não pretendendo redigir um texto de cariz sindical, em defesa dos direitos legais que assistem a todos os docentes, por terem sido ultrapassados por uma decisão da tutela que ignorou o que estava legislado, porém, entendo que há virtualidades nesta medida que as escolas e os seus Conselhos Executivo e Pedagógico podiam e podem aproveitar.
A medida em si não me parece negativa, uma vez que permite a diversificação de estratégias de ensino e educação, atendendo ao número significativo de professores (para esse efeito). Contudo, as escolas nem sempre estão apetrechadas de espaços e meios adequados para a consecução desses propósitos. Por outro lado, não podemos esquecer o modo como algumas escolas públicas e privadas assumiam, anteriormente, essa preocupação, garantindo o apoio diversificado aos alunos. Será isso a que o ME classificará de ?boas práticas??
Não entendo como foi possível transformar as ?aulas de substituição? em sessões de insubordinação impositiva, espécie de ?laboratório? que medisse a capacidade de resistência profissional perante um grupo de alunos. Dos relatos que fui ouvindo, percebi que o mérito dos docentes se media pela capacidade criativa face ao ?faz-de-conta?: jogo do ?sudoku?, o visionamento de um filme qualquer, forca, passando por insultos e actos claros de indisciplina, até experiências com algum cariz pedagógico como supervisão de trabalhos de casa, discussão de temas interessantes que cativaram a ?plateia?, até acompanhamento ao campo de jogos para que os alunos pudessem exprimir o que lhes ia? no corpo. Tudo como se um professor ao adquirir a qualificação académica e profissional (com o estágio) se tornasse num especialista de ?tudo-um-pouco?, e já não precisasse de se preparar previamente e planificar o seu trabalho.
Não entendo também como foi possível recorrer ao argumento de que os professores do ensino secundário não devem ocupar-se dos alunos dos outros ciclos. Como se a Escola fosse um conjunto de ?condomínios fechados? e não uma instituição que tem de responder a todos os alunos, nomeadamente àqueles para quem Ela lhes é estranha.
Lanço o repto: as aulas de substituição não têm sentido!
Não é uma ausência imprevista que vai transformar uma actividade improvisada numa aula previamente preparada, integrada no plano de estudos dessa turma. Por outro lado, estas actividades de substituição, não sendo consideradas como serviço extraordinário, integram-se no horário regular do professor. O que poderá ter sentido, é garantir os meios para que se concretizem, dentro do Projecto Educativo e do Plano de Actividades Previstos e, que os alunos, no período de ausência do professor, se ocupem em actividades na sala de estudo, nos clubes, actividades de TIC; leitura, pesquisa bibliográfica e actividades desportivas orientadas, actividades oficinais, musicais e teatrais, ou seja, nada mais do que aquilo que foi previsto pelo Ministério da Educação, quando em Agosto lançou as orientações e, que implica que a Escola funcione como um todo organizado e articulado e, se possível, democraticamente?.
Mais do que um funcionário público, submisso e obediente, preocupado essencialmente com a sua carreira individual, o professor deve assumir uma atitude crítica e responsável do seu papel profissional, articulando-a com o trabalho colectivo em que se tem de integrar obrigatoriamente na Escola em que trabalha.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo
Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo

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