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Questões de cidadania global

Quando as respostas não resolvem nenhum problema, melhor seria procurar outras soluções. Custa a crer que os políticos não percebam isto. Percebem, claro, mas outros interesses se vêm sobrepondo. Fazem cimeiras, assinam declarações, mas respostas concretas e eficazes, poucas.
Entretanto, sucedem-se as imagens violentas, às vezes, mesmo degradantes, dos imigrantes ilegais, tentando chegar à Europa, dos jovens franceses (que julgávamos integrados) manifestando-se contra a discriminação e a falta de oportunidades, das mortes diárias, na infindável guerra do Iraque ? apenas para referir alguns dos problemas da actualidade. Algo precisa mudar, e mudar mesmo, com consequências práticas e não apenas retórica política.
Obviamente que, se estas mudanças se operassem, apenas, por decreto, seria fácil, mas elas exigem, também, uma mudança de mentalidades. Um diferente olhar sobre o outro, um compromisso forte com a humanidade, o mesmo é dizer, com os direitos humanos, a paz, o desenvolvimento sustentável e a interculturalidade - questões do viver com os outros (todos os outros), num mundo mais solidário e justo, que a escola precisa abordar numa perspectiva de cidadania global.
- Educação para os direitos humanos, porque basta olhar à volta, ler o jornal ou ver a televisão, para vermos como, por todo o lado, a dignidade humana está em risco ? a violência, as desigualdades, as guerras, as mortes gratuitas, a venda de crianças, a corrupção, o abuso de poder, a insegurança, etc. Morrem, vítimas da fome, da guerra e de doenças várias, milhões de pessoas, mas continuamos a considerar que tudo se passa lá longe, muito longe, para precisarmos preocuparmo-nos. Como andamos distraídos! Não é apenas lá longe, é também na esquina da rua, que acabámos de atravessar mas que não olhámos, no bairro degradado, onde nunca fomos, e, portanto, tudo continua, igualmente, distante.
- Educação para a paz, porque é preciso educar para a harmonia e os comportamentos pacíficos, aqui, e não apenas nos países que vivem (ou viveram) conflitos armados. Assistimos a uma violência generalizada na linguagem, nas relações quotidianas, na comunicação social, nas famílias, nos estádios de futebol, etc. Alguma dessa violência banalizou-se ao ponto de ser vista, quase, como ?natural?, como inevitável. Ora, não é natural nem inevitável agredir, maltratar, discriminar, anular, humilhar, etc.
- Educação para o desenvolvimento sustentado, porque não podemos continuar a esgotar os recursos e a destruir a natureza. O desenvolvimento exige um compromisso com o presente e o futuro, deve beneficiar as populações locais, preocupar-se com as suas verdadeiras necessidades. Se a base da alimentação é o milho ou a mandioca, por que se planta apenas café? Se os encargos com a dívida externa sufocam a economia, por que não se opta por um desenvolvimento perspectivado a curto, médio e longo prazo, mesmo que o ritmo seja mais lento? Importa evitar as grandes rupturas, o que só é possível se o desenvolvimento se fizer apoiado na educação, no conhecimento e na formação académica e profissional das pessoas.
- Educação para a interculturalidade, porque as sociedades são cada vez mais diversas e multiculturais. As migrações são, na Europa, e também em Portugal, um fenómeno crescente. As diferenças étnicas, culturais e religiosas existem, não são uma invenção nossa, mas é óbvio que podemos ter diferentes atitudes. Ou as ignoramos, construindo muros e impedindo qualquer possibilidade de aproximação, ou, ao contrário, as descobrimos, deitando abaixo os muros existentes, procurando conhecê-las, nas suas semelhanças e convergências e também nas suas diferenças e mesmo oposições. Assim, por aproximações e trocas recíprocas, será possível criar complementaridades e estabelecer encontros em vez de choques culturais. Contudo, a atitude de valorizar todas as culturas, de procurar as semelhanças e os valores comuns, de estabelecer diálogos e cruzamentos, não significa achar que todos os valores se equivalem, que todas as práticas culturais são igualmente defensáveis, tal como não significa defender que há culturas superiores, com legitimidade para imporem às outras o seu modo de ver e entender o homem a sociedade.
As questões são complexas e interdependentes e, por isso, não há respostas fáceis. A discussão está em aberto, teremos oportunidade de, em 2006, no ?Ano internacional da consciência planetária e da ética do diálogo entre os povos?, que, por proposta da UNESCO, a ONU proclamará, retomar a reflexão e trabalhar, na escola, todas estas questões.


  
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Maria Rosa Afonso
Professora
Maria Rosa Afonso
Professora

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