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Pensar as presidenciais a partir dos media

Aquilo que vemos na TV, que ouvimos na rádio ou lemos nos jornais não urbaniza mentes vazias, nem se incorpora em pessoas isoladas de contextos socioculturais dinâmicos. Há, porém, que reconhecer que essa influência será sempre proporcional ao saber que reunimos acerca do processo de produção e de recepção das mensagens mediáticas. Daí a importância de a educação para os media não estar circunscrita apenas àqueles que querem trabalhar na área da comunicação.

Como é eleito um Presidente da República? Assim enunciada, a questão poderia remeter para o sufrágio universal, ou seja, para o direito e o dever de cada um exercer a sua cidadania através de uma escolha livre, expressa num voto. Certamente seria este um ponto importante, mas há outros modos de pensar esta problemática. Por exemplo, através do desenho que os media, principalmente os canais de televisão, devolvem à sociedade dos candidatos a escrutínio. Se ouvirem dizer que a TV é um espelho da realidade, não acreditem. O pequeno ecrã é um prisma que dá visibilidade apenas a uma pequena parte daquilo que acontece.
Todos os políticos manifestam grande preocupação com a mediatização da respectiva campanha eleitoral. Nos bastidores das caravanas, poderosas agências de comunicação e eficazes assessores de imprensa calculam passo a passo as movimentações dos candidatos para que a encenação corresponda à mensagem que se quer transmitir. Há uns meses, o ?Expresso? publicava uma sondagem em que se fazia saber que a maioria dos portugueses emprestaria o seu carro a Cavaco, mas preferiria ir jantar com Soares. Significava isso que se valorizava a competência num e a empatia no outro. Nos dias seguintes, testemunhámos vários momentos em que o candidato da direita encenava posturas aparentemente emotivas com as pessoas aparentemente desconhecidas e o candidato do PS introduzia reiteradamente no seu discurso referências pseudo-espontâneas da macro-ecomonia. Aí estava um sinal da influência dos media, neste caso exercida através das sondagens que promovem.
Não significa isso que as mensagens mediáticas sejam uma espécie de balas mágicas disparadas na direcção dos eleitores, condicionando de forma directa a sua escolha. Nada disso. Aquilo que vemos na TV, que ouvimos na
rádio ou lemos nos jornais não urbaniza mentes vazias, nem se incorpora em pessoas isoladas de contextos socioculturais dinâmicos. Há, porém, que reconhecer que essa influência será sempre proporcional ao saber que reunimos acerca do processo de produção e de recepção das mensagens mediáticas. Daí a importância de a educação para os media não estar circunscrita apenas àqueles que querem trabalhar na área da comunicação.
Ao procurar entender, através dos media, o modo como um Presidente da República é eleito estamos no domínio da construção de imagens sociais que são devolvidas à opinião pública através de registos que se pretendem informativos. Poder-se-á escolher uma gama alargada de materiais para análise: primeiras páginas da imprensa, notícias publicadas no mesmo dia em diferentes jornais sobre os mesmos candidatos, peças de noticiários de rádio e de televisão, debates televisivos... Em cada um deles poder-se-á estudar a realidade aí destacada. Se os olharmos com atenção, perceberemos que apenas uma ínfima parte daquilo que se passa é assinalado.
Escrevo este texto escassas horas depois do debate Soares/Cavaco, emitido pela RTP1. Anunciado como histórico, este debate contrariou as teses daqueles que apontavam limitações profundas ao formato escolhido pelos canais de TV e pelas candidaturas. A estipulação de regras rígidas que subtraiam a espontaneidade e a emoção daqueles que falam era a crítica mais apontada.
Nesta noite, os candidatos cruzaram olhares tensos, digladiaram-se com argumentos cáusticos e posicionaram-se frente-a-frente com vigor, embora as respectivas mesas estivessem lado-a-lado e as câmaras continuassem a fixar planos frontais. Fico a pensar na riqueza visual deste momento televisivo que mereceria uma análise mais atenta e demorada. E se alguém experimentasse ver alguns minutos desse confronto com o som desligado, o que diria daquilo que se passou no estúdio do Lumiar da RTP? No plano do discurso oral, Mário Soares optou pela estratégia do ataque permanente ao adversário, ultrapassando algumas vezes a formalidade mínima. Cavaco Silva procurou desviar-se das críticas, escudando-se na reiterada crise económica, mas cedo mudou de táctica para se centrar nas qualidade pessoais. Talvez nunca como desta vez Soares tivesse repetido tanto a palavra ?ele? e Cavaco tivesse dito tanto ?eu?. E se num outro momento analisássemos a forma e a substância de expressão de cada um deles, que palavras teriam sido as mais repetidas por ambos? E se no dia seguinte confrontássemos isso com aquilo que saiu na imprensa sobre o assunto? Aposto que, apesar de apenas ter havido um debate Cavaco/Soares, as respectivas leituras iriam ser diferentes.


  
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho
Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho

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