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Portugueses e Brasileiros: Duas realidades que obrigam a pôr fim a alguns equívocos

Textos bissextos - 2ª série: rubrica que regressa, depois de por aqui ter andado durante todo o ano de 2004. Com uma equipa refeita mas mantendo a diversidade das instituições de origem, das formações e dos posicionamentos político-educacionais. O sexteto de escritores, docentes e investigadores aqui estará bianualmente à procura (ainda) de uma partitura (im)possível. Naturalmente, os bissextos comprometem-se na continuação de uma rubrica eclética e diversificada no estilo e nas temáticas?

A fábula de que a independência do Brasil teria resultado de uma concessão portuguesa fruto do livre arbítrio de D. Pedro (I do Brasil e IV de Portugal) ? substituindo-se ao necessário protagonismo dos brasileiros no processo da sua emancipação nacional ? tem alimentado o longo cortejo de preconceitos colonialistas que impedem uma relação normal entre os povos de ambos os países, ao evocar permanentemente a antiga hegemonia colonial do reinól (português europeu) sobre os
Mazombos (descendentes sul-americanos dos colonos, brasileiros).
A pluralidade de ascendências ? portuguesa, ameríndia, africana (com um peso determinante dada a importância da escravatura) e outras ? contribuiu para que os brasileiros tenham vindo, ao longo de séculos, a dotar-se de características nacionais próprias, à medida que se integravam no contexto sócio cultural e geográfico americano que habitavam, levando-os, desde o início da colonização, a identificar-se cada vez mais profundamente com a sua terra e com as respectivas formas de vida, ao mesmo tempo que esqueciam as suas origens. Obnubilação que se traduzia no facto de «portugueses, franceses, espanhóis, apenas saltavam no Brasil e internavam-se, perdendo de vista as suas pinaças e caravelas, esqueciam as origens respectivas. Dominados pela rudez do meio, entontecidos pela natureza tropical, abraçados com a terra, todos eles se transformavam quase em selvagens; e se um núcleo forte de colonos, renovado por contínuas viagens, não os sustinha na luta, raro era que não acabassem pintando o corpo de genipapo e urucú e adoptando ideias, costumes e até as brutalidades dos indígenas»(1), processo interactivo em que «o colono a princípio se barbariza e depois ele próprio e o sertão se alteram e, nesta mudança, cria-se uma nova personalidade que é distintamente brasileira»(2). E que, não raro, o levava à adopção das formas de vida dos autóctones ameríndios e dos africanos(recorde-se a popularidade actual do padrão alimentar tupi guarani/brasileiro ? feijão preto, mandioca, churrasco ? ou das práticas religiosas de origem africana, como o candomblé da Bahia), suscitando a qualificação negativa e a rejeição por parte do poder colonial através dos epítetos enselvajamento, cafrialização ou gentilismo(3) .
Esta identificação cada vez mais exclusiva com a sua terra levaria os mazombos a defendê-la contra a opressão metropolitana desde o século XVII, quando recusaram a orientação da Casa de Bragança no sentido de não sacrificar a aliança portuguesa com a Holanda contra a Espanha(de cujo domínio Portugal acabara de se libertar) à defesa de Pernambuco, pondo fim ao jugo neerlandês sobre aquela zona do Brasil(4) através das primeiras manifestações do nativismo brasileiro, igualmente presente na Guerra entre Paulistas e Emboabas(1708) e na Guerra dos Mascates(1710-1711).
Politicamente amadurecido, a partir da segunda metade do século XVIII, sob o duplo impacte da Independência dos Estados Unidos e das "Luzes", o nativismo dominaria os sucessivos projectos independentistas anti-portugueses como a Inconfidência Mineira de 1789, a Inconfidência Baiana de 1798 ou a Revolução Pernambucana de 1817, prólogo da conquista da Independência em 1822(5). Sobreviver-lhe-ia, porém, através de sucessivas manifestações contra a continuidade da presença exploradora e opressiva dos portugueses no Brasil independente, não só na corte como nos negócios. De que resultaria a abdicação do imperador D. Pedro em 1831 e a eclosão periódica de motins(mata-galego, mata-maroto e mata-marinheiro) contra os comerciantes portugueses do Rio de Janeiro, da Bahia e de Pernambuco, ao longo dos séculos XIX e XX(6). A sobrevivência da lusofobia no Brasil actual não decorrerá da política portuguesa relativa à língua e à imigração, orientada para a dominação e a exclusão sistemática do Outro?(7) A alteração desta situação passa pela reflexão urgente sobre aquela política e sobre a história da identidade nacional brasileira.

Notas:

1) ARARIPE JUNIOR, T.A., Gregório de Mattos, Rio de Janeiro, L.P. Barcellos & Cª Livreiros, 1894, pp. 29-30.
2)  RODRIGUES, José Honório, História e historiadores do Brasil, São Paulo, Editora Fulgor Limitada, 1965, p. 50.
3) MARGARIDO, Alfredo, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses, Lisboa. Edições Universitárias Lusófonas, 2000, p.55 e «O "direito" a fazer e a vender escravos», História, Lisboa, Julho de 1999, Ano XXI(Nova série), nº16. pp. 28-29.
4) GUIMARAES, José António Nobre Marques, A difusão do nativismo em África: Cabo Verde e Angola(Séculos XIX e XX) -Dissertação de Mestrado em História de África apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2002(policopiado), pp. 2-3
5) GUIMARAES. op. cit., pp. 5-40.
6) GUIMARAES. op. cit, pp. 41-45.
7) MARGARIDO, Alfredo, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses, Lisboa. Edições Universitárias Lusófonas. 2000. p. 57.


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

José Marques Guimarães
Universidade Aberta, Lisboa
José Marques Guimarães
Universidade Aberta, Lisboa

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