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Onde estás?

Mais do que dar respostas, Michel Serres, filósofo francês, gosta de despertar questões. Foi uma das presenças nas IV Conferências Internacionais de Epistemologia e Filosofia, organizadas pelo Instituto Piaget em Viseu.
Durante a sua palestra defendeu que a humanidade vive num mundo de códigos sem que ninguém saiba onde o outro está. ?Quantos endereços um indivíduo tem??, questiona o filósofo. A resposta surge imediata: ?Um endereço de e-mail, um outro endereço que é o número de telemóvel?? Como imediatamente surge outra questão: ?Mas onde está a pessoa?? Quando alguém nos telefona a primeira coisa que faz é perguntar onde estamos, observa Michel Serres. ?Parecendo que não, é uma boa pergunta!?
Numa outra incursão, talvez a pensar na instabilidade causada pelos distúrbios nos subúrbios franceses, Michel Serres questionava-se sobre o conceito de identidade. ?Em Filosofia identidade é lógica: A=A. Mas muito do que se designa por identidade não o é, é apenas pertença!?, resume. ?Então ? atira o filósofo ? comete-se um erro de lógica ao confundir identidade com pertença, mas um erro grave, pois o racismo é a confusão entre estes dois conceitos.? Perante tantas questões, A Página foi ter com Michel Serres para alguns esclarecimentos.

Que leitura faz dos motins que têm assolado a França?

Estes acontecimentos, ao contrário do que se possa pensar, não são actuais são estruturais. Como em todo o lado existem em França guetos, lugares onde os mais pobres estão praticamente aprisionados. Por isso comparo estes motins aos que acontecem nas prisões. Mas isto tem a ver com uma certa distribuição social que invadiu o Ocidente e que também existe nos Estados Unidos da América, na Inglaterra, na Alemanha. Acresce que estes jovens ?amotinados? não têm emprego e vêem-se impossibilitados de sair da sua condição pelo que escolheram a via da revolta para isso. Mas acredito que isto possa acontecer em qualquer pais que tenha um perfil de desemprego semelhante ao francês.

Neste caso o desemprego afecta essencialmente os imigrantes...

Sim, maioritariamente os imigrantes.

... E daí tratar-se de um problema de integração...

É um problema de educação. E por isso eu continuo a estar optimista em relação à integração. Em França existem entre 12 a 15 milhões de imigrantes e mesmo os jovens que estão ilegais, os sem papéis, são escolarizados. Há um esforço gigantesco para integrar os imigrantes. O papel da escola está a ser bem desempenhado neste domínio, mas certamente é necessário fazer mais.

Como é que os media devem tratar estes fenómenos, sendo que se não lhes dão cobertura noticiosa estão a fazer censura e se lhes dão podem estar a fazer sensacionalismo?

O trabalho dos jornalistas é muito difícil face a essa contradição. Se não noticiam os motins não cumprem o seu papel de informar, mas quando o fazem criam um novo real. Mas importa sempre ter em conta que estamos perante dois fenómenos diferentes: um são os motins, o outro a recriação mediática dos motins.

À distância de um telefonema

?Vivemos num espaço onde não há espaço, ou onde o espaço não pode ser medido?

Disse que as novas tecnologias trouxeram coisas muito mais importantes do que pensamos?
Claro. Diz-se que não vivemos no mesmo espaço, que vivemos num mundo à distância... Mas não é assim? Vivemos num espaço onde não há espaço, ou onde o espaço não pode ser medido. Eu fui marinheiro e quando estava em viagem escrevia à minha noiva e ela respondia-me, mas eu só encontrava as cartas dela nos portos. Ou seja só tinha novidades dela uma vez por mês. Mas quando eu tinha essas novidades, elas já não eram novas, tinham acontecido há um mês. Hoje um namorado pode ligar para o telemóvel da sua amada a todo o tempo sem jamais estarem separados. O amor é vivido a tempos diferentes, logo não é o mesmo amor. Isto não muda apenas o objecto, muda a relação. A relação que eu tinha com a minha noiva não é a mesma que hoje em dia um casal nas mesmas circunstâncias terá. Quando mudamos o tempo mudamos tudo.


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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