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À procura do espírito

Natal

Luz. É a iluminação decorativa das ruas mais comerciais que lhe anuncia a chegada. O Natal é cada vez mais uma festa dessacralizada. Nesta edição de Dezembro, a PÁGINA foi à procura do ?espírito natalício?. Falamos com responsáveis das religiões Católica, Ortodoxa e Testemunhas de Jeová. E, como no ?Conto de Natal? de Charles Dickens, fazemos votos que o encontre se não antes pelo menos na noite de 24 de Dezembro.

A data é conhecida. A 25 de Dezembro, o calendário marca o nascimento de Jesus Cristo. Os primeiros cristãos, todavia, não celebravam o dia. A calendarização oficial da Natividade acontece apenas em meados do século IV, pela mão do papa Libério. Numa altura em que as perseguições aos cristãos já tinham cessado e o Cristianismo se impunha como a religião oficial do Império, mediante a conversão do imperador romano Constantino a 312 DC.
Sem medo de serem lançados às feras nas arenas romanas os cristãos baptizaram várias festas pagãs até então celebradas. Contam-se entre elas, as festividades do Solstício de Inverno que decorriam no mês de Dezembro onde se incluíam as Saturnais, celebradas entre 17 e 24 de Dezembro com trocas de presentes, e as festas de Mitra, deus persa designado como o ?Sol da Virtude? e cujo nascimento se comemorava a 25 de Dezembro. Historicamente, uma das primeiras referências ao festejo do nascimento de Cristo por altura do solstício de Inverno consta de um almanaque romano de 336 DC.
Sobre esta colagem o Padre Católico José Jorge, 80 anos, responsável pela Comunidade paroquial da Igreja do Santíssimo Sacramento, no Porto, comenta: ?Nada mais adequado do que celebrar o nascimento da luz plena, o filho de Deus, criador de todos os sóis e estrelas, nessa data.? No entanto, esclarece: ?O dia preciso não é assim tão importante, o acontecimento ultrapassa a data que é apenas uma circunstância.?
Por entender a data 25 de Dezembro como uma calendarização falsa de um acontecimento verdadeiro, Eliseu Garrido, 80 anos, Ansião das Testemunhas de Jeová assume uma posição crítica sobre a celebração do Natal. ?É falso dizer que Jesus Cristo nasceu nesse dia!? A suportar esta tese a junção de algumas referências cronológicas presentes na Bíblia que Garrido facilmente sintetiza: ?Jesus morreu aos 33 anos e meio, no fim da celebração da Páscoa judaica [finais de Março, inícios de Abril] se retroceder ou avançar seis meses nunca cairá no mês de Dezembro.?
Ainda assim, apesar de as Testemunhas de Jeová apontarem Outubro como o mês em que Jesus Cristo terá nascido, a celebração do Natal não acontece nessa altura. A razão da não celebração ultrapassa a mera confusão cronológica. ?Não celebramos porque nada na Bíblia nos diz para o fazermos?, responde Garrido garantindo que o livro sagrado ordena apenas que se celebre a morte de Jesus Cristo e não o seu nascimento.
O Natal é assim visto, pelas Testemunhas de Jeová, como uma ?tradição antiga? acrescentada à Bíblia. Garrido abre a fonte de todos os seus argumentos no Evangelho de Marcos, capítulo sete, versículo 13: ?E assim invadistes a palavra de Deus pela tradição que transmitistes?, lê-se. ?O problema das tradições é muito antigo?, diz o Ansião precisando: ?Mataram Jesus Cristo por ter abalado as tradições ? coisas que os homens haviam inventado ? do sistema religioso do seu tempo.?
Para a Igreja Ortodoxa, o Natal encerra o mesmo significado litúrgico e teológico celebrado pela Igreja Católica. ?Mas não assume tanto destaque?, demarca-se Alexandre Bonito, 52 anos, Padre Ortodoxo, clarificando que para os ortodoxos ?a Páscoa é a festa mais importante de todas.?
Esclarecer que a imprensa comete um erro quando adjectiva o Natal Ortodoxo como ?atrasado?, por este se celebrar a 7 de Janeiro do calendário gregoriano, usado pelo catolicismo, é uma das preocupações de Bonito. Essa data corresponde ao dia 25 de Dezembro no calendário juliano, instituído por Júlio César e que é usado na maioria dos países da ex ? União Soviética, como calendário litúrgico, independentemente do civil.
?Mas não é tanto o Natal que se festeja?, garante Bonito. A Igreja Ortodoxa celebra uma trilogia de festas onde se incluem os festejos da natividade, da Epifania (o Baptismo de Cristo no rio Jordão) e de São Nicolau.

Prendas

?A palavra prenda significa algo que nos prende?, reflecte padre Jorge, a propósito dos presentes trocados na véspera de Natal. A sua função será prender quem os recebe ao acontecimento celebrado, adianta o padre sobretudo quando se tem em conta que ?Jesus é o presente de Deus a toda a humanidade?.
Popularizado em 1931 através de um anúncio da Coca-Cola, a figura do Pai Natal, tal como é representada actualmente, é entendida como um produto da sociedade de consumo. Mas foi São Nicolau, bispo de Bari, Itália, a personagem histórico-cristã que lhe deu origem.
Dois episódios da vida do bispo poderão estar na base da sua associação à dádiva de presentes: teria gasto a sua herança a ajudar os carenciados e salvado três raparigas cujo pai ia entregar à prostituição por não ter dote para as casar atirando três sacos com dinheiro pela janela da casa onde viviam, durante a noite sem que ninguém o visse. Do santo, diz-se ainda que teria feio o milagre de salvar três crianças do afogamento. Com base nesta lenda, a figura de São Nicolau aparece algumas vezes representada tendo ao seu lado uma tina com três crianças dentro, tal como acontece na Igreja de São Nicolau, no Porto. 
Sendo uma tradição de origem nórdica, os festejos do dia de São Nicolau, celebrados a 6 de Dezembro ?não seguiram na Igreja Ortodoxa a moda consumista?, garante Bonito: ?Mantemo-nos fiéis à imagem do santo!? Apesar desta fidelidade, o padre ortodoxo admite ser forte ?a influência ocidental do consumo?, mesmo nos países tradicionalmente ortodoxos.
Uma ?influência tremenda? na visão de Garrido, mas ?que um pai Testemunha de Jeová tem obrigação de esclarecer, ensinando aos filhos o que é falso ou verdadeiro?. Horácio Silva, 52 anos, ancião, e pai de três filhos sabe bem em que consiste essa tarefa. ?Se quiser dar presentes aos meus filhos posso fazê-lo a qualquer altura!?, constata Silva, descartando a hipótese de qualquer sentimento de ?marginalização? perante crianças com outras crenças.

Espiritualidade

?O espírito de Natal também está na união da família?, elucida padre Jorge. Apesar da comercialização da época, é na ?congregação? que reside a espiritualidade. ?As pessoas vêm de toda a parte do mundo e reúnem-se na casa que os viu nascer e onde sempre houve Natal?? Mas não só.
A visão romântica de padre Jorge encontra uma forte oposição nas palavras do ancião Silva: ?Há um espírito de Natal mas é o do comércio e não o da fraternidade nem o da solidariedade para com o próximo!? O tom mantêm-se. ?Não estamos à espera de datas para demonstrar nada!? Padre Jorge afirma que também não. Por isso admite o cliché mas insiste em usá-lo: ?O Natal é todos os dias.? E para mostrar onde reside o verdadeiro ?espírito natalício? sugere uma outra visita à ?obra feita? na sua comunidade.

O 25 de Dezembro do Judaísmo

A mesma data, outro acontecimento

Hanukkah. Significa ?dedicação?. Acontece na noite de 25 de Dezembro mas nada tem a ver com o nascimento de Jesus Cristo a quem a religião judaica não reconhece como filho de Deus. A festividade marca o resgate do Templo de Jerusalém depois da sua profanação por forças inimigas a 165 antes da Era Comum (designação que substitui a demarcação Antes de Cristo). Mas é sobretudo a dedicação constante do povo Judeu e a sua luta pela vivência em conformidade com os mandamentos de Deus que é festejada.
O Hanukkah tem a duração de oito dias. A explicação assenta na lenda judaica onde se relata que entre os destroços da batalha pela reconquista do Templo, restava apenas uma jarra de óleo sagrado que chegaria para um dia, milagrosamente o líquido ardeu durante oito dias. Daí que o acender das velas seja o ritual mais importante associado a esta festividade. Usa-se um candelabro com nove velas, sendo que a colocada no centro é acesa todas as noites e usada para acender diariamente cada uma das restantes.
Durante este período de tempo trocam-se presentes e fazem-se contribuições para os mais desfavorecidos. É ainda costume a ingestão de alimentos fritos em óleo, como as panquecas de batata e o tradicional bolo de geleia judeu [sufganiot].


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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