Alberto Sansano, no rescaldo do I Fórum Social Ibérico para a Educação
A cidade espanhola de Córdoba acolheu, entre 29 de Outubro e 1 de Novembro, a realização do I Fórum Social Ibérico Para a Educação. A Página esteve presente no encontro e recolheu algumas entrevistas que irão sendo publicadas em próximas edições do jornal. Para compreender melhor o alcance desta iniciativa e saber de que forma se estão a organizar os países europeus para o Fórum Mundial de Educação, a realizar no Brasil em Março do próximo ano, iniciamos esta série de conversas com Albert Sansano, um dos organizadores deste fórum ibérico. Professor e licenciado em Ciências da Educação pela Universidade de Valência, Sansano é membro fundador do Movimento de Renovação Pedagógica - Escola d'Estiu Gonzalo Anaya, de Valência, e membro do Conselho Internacional do Fórum Mundial de Educação em representação do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino da Comunidade de Valência, Espanha, onde é responsável pela Área de Política Educativa, Renovação Pedagógica e Movimentos Sociais.
Porquê a realização de um fórum conjunto ibérico pela educação?
Com a chegada a Espanha da minha companheira, Leslie Toledo, que era representante de Relações Internacionais do Fórum Mundial de Educação, partilhei com ela o entusiasmo de construir processos semelhantes em território europeu. Após contactos estabelecidos com a Federação de Movimentos de Renovação Pedagógica e a Confederação de Mães e Pais dos Alunos (CEAPA), iniciamos o processo de construção do Fórum de Educação dos Povos do Estado Espanhol, que, mais tarde, com os contactos estabelecidos no contexto do Fórum Social Europeu, se concretizou na realização deste «Fórum Social Ibérico Para a Educação (FSIPE)».
Quais foram as principais questões debatidas no fórum?
O objectivo central deste encontro era debater a actual situação e a evolução da educação em torno de três eixos centrais, concretizados em diferentes painéis: Educação e Globalização, Educação e Cidadania Global e Educação Pública como Direito Universal. Através destes temas procurou-se analisar tanto a situação no que respeita aos dois países, como destes em relação ao mundo, como, ao mesmo tempo, apresentar experiências alternativas concretas que se estão a desenvolver tanto em Portugal como no Estado Espanhol. Esta troca de experiências decorreu tanto nos auditórios, oficinas e seminários auto geridos promovidos no contexto do fórum, como nos próprios corredores, às refeições ou nas reuniões informais que se iam mantendo entre os participantes.
Que balanço geral faz deste Fórum Social Ibérico para a Educação?
Considero que o FSIPE foi marcante em diversos aspectos. Por um lado, nunca antes se havia realizado em território espanhol um Fórum Social, nem geral nem temático, que abarcasse tanto o conjunto dos povos do Estado Espanhol como um número tão amplo de movimentos sociais e sindicais. Por outro lado, venceu-se o tradicional afastamento que, praticamente desde sempre, tem marcado as relações entre os povos dos dois lados da fronteira. Nunca até hoje as organizações de base dos dois países haviam construído algo parecido com esta iniciativa, já que, até esta altura, este tipo de encontros inter-estatais era apenas conduzidos pelos aparelhos burocráticos de Estado. O FSIPE possibilitou - e só por si isso já pressupõe um êxito ? que organizações dos diversos povos da península ibérica e das ilhas se conheçam, troquem experiências e criem redes para trabalhar de forma coordenada daqui para a frente.
A educação na Europa e o Fórum Mundial da Educação
As políticas sociais e económicas da União Europeia parecem limitar cada vez mais o conceito de escola pública e gratuita. Qual é o seu comentário?
As novas politicas europeias estão a procurar limitar aquilo que se considera como uma conquista social: o direito a uma educação pública, que, como tal, deve ser democrática e servir para derrubar as barreiras sociais e formar cidadãs e cidadãos; não as políticas de mercado.
O que representa, neste contexto, a directiva Bolkestein, que preconiza o livre movimento de serviços entre Estados, onde a educação poderá, a breve prazo, vir a estar incluída?
A directiva Bolkestein não é mais do que a cristalização das politicas neoliberais. Através do Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (AGCS), pretende-se acabar com as conquistas de direitos fundamentais alcançados através de séculos de luta. O AGCS constitui uma ameaça de primeira ordem para a manutenção dos serviços públicos, porque, apesar de ainda não se ter chegado a um acordo final, ele é um ponto de partida para que nenhum sector esteja isento de sofrer uma privatização no futuro.
Acha que as professoras e professores europeus estão alertados para o crescente processo de privatização que atravessa o sector educativo?
As politicas neoliberais, através da apropriação de conceitos e do uso dos meios de comunicação social, foram criando a ideia da existência de um estado de apatia e de busca de soluções individuais, que debilitaram as organizações sociais. Lamentavelmente, a estas há que juntar as organizações sindicais tradicionais e reformistas que não ajudaram muito no processo de consciencialização da classe docente face a estas questões. Durante os últimos anos elas têm vindo a retirar-se dos debates globais sobre o futuro da educação, pactuando com cedências a governos que praticam politicas neoliberais (um claro reflexo disso é o processo da actual reforma educativa do Estado espanhol), parecendo terem receio de iniciativas como os fóruns sociais. Apesar disso, os diversos encontros que têm decorrido (Fórum Social Mundial, Fórum Mundial da Educação, Fórum Social Europeu e o próprio Fórum Social Ibérico Pela Educação) e jornadas como a Semana Europeia de Lutas, são formas de acção que demonstram que a resistência está presente e que as coisas podem mudar. São cada vez mais aqueles que se unem à ideia de que para construir esse ?Outro Mundo é Possível?, outra educação é necessária.
Para quando a realização de um Fórum Europeu de Educação? Parece não haver consenso sobre esta matéria... Concorda?
Na minha opinião, não devemos forçar as dinâmicas naturais que se vão gerando. Em primeiro lugar temos de valorizar este fórum que agora decorreu e ver qual a possibilidade de garantir que, no futuro, sejam os movimentos sociais o seu impulsionador. Paralelamente, deverá também ocorrer o processo de construção do Fórum Europeu de Educação. Temos o exemplo do nosso próprio processo [FSIPE], pelo que deveremos procurar garantir que, de nenhuma forma, as organizações mais fortes e com maior estrutura organizativa (os sindicatos, por exemplo) marquem estilos de trabalho ou ritmos que não possam ser seguidos pelos movimentos sociais ou pedagógicos. Depois, há que superar determinadas práticas entre as diversas organizações que, por terem maneiras diferentes de trabalhar, ainda não se conseguiram ?encontrar?, procurar o maior consenso possível no âmbito das reuniões preparatórias e junto daqueles que não têm possibilidade de comparecer a elas, repartir tarefas segundo as possibilidades de cada organização, etc...
Ante a impossibilidade de realização de um fórum europeu sobre a educação a breve prazo, de que forma estarão representadas as preocupações europeias no Fórum Mundial de Educação (FME), que se realizará em Março de 2006 em Nova Iguaçu, no Brasil?
O Conselho Internacional do Fórum Mundial de Educação conduziu, em Córdoba, uma reunião com as organizações que participaram no FSIPE, propondo-lhes a integração neste órgão. Daqui até à realização do FME, que se realizará a par com o Fórum Social Mundial, em 2007, no Senegal, há ainda um longo caminho a percorrer. Durante esse período, não só se deveria tentar agrupar as organizações europeias, como tentar que as actuais organizações presentes no FME modifiquem o seu método de trabalho. Isso permitiria não só a tomada de decisões dos movimentos sociais com organizações menos fortes, mas também aprofundar o seu carácter mundial, superando uma das suas debilidades: a quase exclusiva presença latino-americana.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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