... o desejo está ligado ao que nos falta, àquilo que nos torna humanos e que impulsiona os nossos projetos de vida. Nesse sentido, somos constituídos também por aquilo que nos falta. Por isso sonhamos, estudamos, trabalhamos, criamos, reinventando o mundo e a nós mesmos cotidianamente.
Ninguém deseja aquilo que já possui. Porque o desejo está ligado ao que nos falta, àquilo que nos torna humanos e que impulsiona nossos projetos de vida. Nesse sentido, somos constituídos também por aquilo que nos falta. Por isso sonhamos, estudamos, trabalhamos, criamos, reinventando ao mundo e a nós mesmos cotidianamente. Entretanto, se o desejo é uma espécie de motor a nos conferir humanidade, por vezes, paradoxalmente, nos desumaniza. Esse paradoxo ganha significativas proporções na sociedade de consumo. Por um lado, ao consumir, movimentamos a economia e expressamos a nossa singularidade; por outro, a exacerbação do consumo acaba por desencadear em nós desejos nada singulares, originados não na nossa história, mas na própria lógica do mercado. As constantes inovações tecnológicas que caracterizaram o século XX desencadearam uma ruptura na estrutura econômica e cultural, tanto em termos da expansão quanto da aceleração da produção de bens, gerando um deslocamento do eixo da produção para o do consumo, inspirando a lógica da descartabilidade. Num constante fluxo de substituições, as mercadorias ? materiais e simbólicas ? nos seduzem intermitentemente e, nessa relação amorosa ao mesmo tempo intensa e fugidia, o desejo com facilidade desvincula-se do objeto a ser consumido, transformando o próprio ato de consumir em permanente desejo. Nesse contexto, altera-se não somente a relação que mantemos com as coisas, mas as próprias coisas se alteram, fetichizam-se, como que adquirindo vida própria. Os objetos, com sua linguagem pedagógica irreplicável (1), nos desejam, nos seduzem, nos conferem poder e felicidade provisória. Conseqüentemente há uma transformação qualitativa nos modos como os sujeitos se inserem socialmente, no modo como percebem a si e aos outros, mediados cada vez mais pela dimensão simbólica dos objetos. Isto posto, cabe indagar. O que nos ensinam as coisas, com sua linguagem própria? Em que medida nos ensinam quem somos nós? Que premissas éticas, estéticas e cognitivas derivam da inusitada relação que mantemos com as coisas? Enfim, se na sociedade de consumo as novas bases de compreensão do mundo passam necessariamente pela relação que mantemos com as coisas e com os modos de ser que elas sugerem, há que problematizá-las, para que possamos melhor compreender a nós mesmos.
- O cineasta Pier-Paolo Pasolini afirmava que as coisas têm uma linguagem própria que, diferente da linguagem humana reconstituída permamentemente. Ver, do autor: Genaliello: A linguagem pedagógica das coisas. In: Os jovens infelizes. São Paulo, Brasiliense, 1990.
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