Para a Ìndia A convenção sobre a protecção e a promoção da diversidade das expressões culturais, submetida ao voto dos 191 estados membros da UNESCO, impôs-se como o texto mais incisivo em matéria da defesa da cultura e fornece algumas armas face ao ?rolo compressor americano?. No âmago do documento, uma afirmação, quanto a mim evidente, mas que esteve longe de ter o consenso desde o início dos debates preparatórios: os bens culturais não são mercadorias como as outras. Segundo o artigo 4º, ?os bens, serviços e actividades culturais(...) veiculam ou transmitem expressões, independentemente do valor comercial que possam ter?. Depois o artigo 7º, repertório de medidas à disposição dos Estados para assegurar a diversidade cultural. Entre elas, as que visam? acordar ajudas financeiras públicas? (subvenções),? fornecer às indústrias culturais nacionais independentes um acesso efectivo aos meios de produção, de difusão e de distribuição dos bens e serviços culturais? (sistema de quotas) ou ainda ?estabelecer ou sustentar as instituições de serviço público apropriadas?. Os 35 artigos do projecto da convenção visam propor um suporte jurídico alternativo, que permita aos Estados escapar ao direito comum do comércio internacional, para por em prática a sua política cultural com toda a autonomia. ?Assistimos à elaboração de um novo direito internacional sobre cultura, como foi feito há alguns anos sobre o ambiente, com o protocolo de Kyoto? declarou Jean d?Haussonvville, conselheiro do Ministério da Cultura. Por falar nisso, alguém ouviu falar disto em Portugal? Indicador de que se trata de um texto longe de ser desprovido de efeitos, as discussões, começadas no plenário da UNESCO de Novembro de 2001, tornaram-se acaloradas, marcadas por um novo afrontamento entre a União Europeia e os Estados Unidos (regressados à UNESCO em 2003, depois de 18 anos de ausência). Em Junho último, a delegação americana bateu mesmo com a porta das negociações e publicou um comunicado com acentos guerreiros: ?O anteprojecto de convenção elaborado pelo grupo de trabalho é profundamente defeituoso e fundamentalmente incompatível com a obrigação da UNESCO de promover a livre circulação das ideias por intermédio das palavras e imagens?. E mais à frente: ?porque toca no comércio, esta convenção ultrapassa o mandato da UNESCO ?. A posição de Washington, à qual aderiram uma dezena de países (Israel, Japão, Austrália, Singapura, Taiwan e mais tarde o México e, numa certa medida, o Chile), assenta numa convicção: a livre circulação dos bens culturais, que permite aos ?consumidores?, In fine, escolher livremente. Do outro lado está a Europa, que se exprime a uma só voz nos debates, ao lado da Índia, do Canadá e outros. Principal alvo do furor americano, o artigo 20, que rege as relações entre a convenção e a ordem jurídica internacional. ?Quando interpretam e aplicam outros instrumentos ou quando subscrevem outras obrigações internacionais, as partes têm em conta os objectivos e princípios da presente convenção?. Enfim, a convenção apoia-se na neutralidade tecnológica e visa sobretudo os conteúdos. Ora, uma das esperanças americanos no quadro dos debates da OMC assenta no embrulhar das categorias, com a ajuda dos progressos tecnológicos. Um filme de que se fez ?download? na Net pertence à categoria dos serviços (sector pouco liberalizado) ou das telecomunicações (sector já muito liberalizado)? É aí que a convenção, interessando-se pelos conteúdos independentemente dos vectores tecnológicos, se arrisca a por em causa a táctica americana, que consiste em fazer pender alguns bens culturais para a categoria das telecomunicações. A táctica americana era tentar adiar a votação, que no caso da UNESCO é feita apenas em último caso, para o mais tarde possível para lhes dar tempo de assinar um bom número de acordos bilaterais, o que lhes daria a hipótese de contornar a convenção. A próxima conferência da OMC em Dezembro em Hong-Kong promete ser quente. Para ser adoptada a convenção tem que ser ratificada por 30 estados pelo que se prevê mais uma batalha terrível. Esperemos que este activismo americano vá ter um efeito contrário e estejamos atentos.
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