RESIGNAÇÃO E CONFORMISMO
[Em Portugal] apenas três em cada dez estudantes universitários são oriundos de famílias operárias ou de assalariados executantes. (...) O Estado português é o que menos apoia socialmente os seus alunos (apenas 24% dos alunos recebem apoio social).
Partamos do Estado da Nação. Portugal é o país da União Europeia, segundo estudo recente da OIKOS, onde se verifica a maior desigualdade entre ricos e pobres. Sabemos, por outro lado, como essa matriz de desigualdade assenta, em boa medida, na diferente distribuição de recursos escolares. Em segundo lugar, menos de 12 por cento da população portuguesa com idade compreendida entre 15 e 64 anos possui uma licenciatura ? valor inferior a qualquer um dos países da Europa a 15 e mesmo face aos países do alargamento. Além do mais, somos ainda o Estado da União Europeia com maior taxa de abandono escolar no escalão etário compreendido entre os 18 e os 24 anos. O mais preocupante, todavia, é a baixíssima taxa de escolarização superior entre os jovens e jovens adultos: apenas 17 por cento da população entre os 25 e os 34 anos possui um diploma de ensino superior. Preocupante, sem dúvida, porque todos os estudos corroboram a afirmação de que um título escolar de nível superior é ainda o melhor antídoto contra o desemprego e a desqualificação. Em simultâneo, os dados sobre a composição social da população universitária demonstram quão insuficientes e pálidos têm sido os esforços de democratização: apenas três em cada dez estudantes universitários são oriundos de famílias operárias ou de assalariados executantes. Ao invés, é fortíssima a sobrerepresentação dos mais favorecidos, filhos de profissionais intelectuais, artísticos e científicos, quadros superiores, profissões liberais e empresários. O filtro social permanece implacável. Perante este cenário, o que faz o actual Governo? Desinveste no Ensino Superior. Pelo quinto ano consecutivo, o orçamento decai, em termos reais, para este nível de ensino. As propinas aumentam exponencialmente (em muitas unidades de ensino mais de 100%!) e o Ministro resigna-se, reconhecendo o indesmentível: as propinas pagam despesas correntes e estão longe, muito longe, de promoverem, como a legislação bondosamente prevê, «a melhoria da qualidade de ensino e o sucesso educativo». O insucesso escolar no ensino superior aparece mesmo crescentemente associado às dificuldades económicas dos estudantes e das suas famílias como provam estudos recentes levados a cabo nas Universidades do Minho, de Aveiro e de Coimbra. Estamos, na verdade, a assistir à expulsão de milhares e milhares de jovens da possibilidade de acesso e de conclusão de um curso superior. O Estado português é o que menos apoia socialmente os seus alunos (apenas 24% dos alunos recebem apoio social). Simultaneamente, é aqui que os estudantes mais dependem das famílias. E como algumas delas, cada vez em maior número, estão depauperadas e no fio da navalha da precariedade, da fragilidade social e da exclusão! O Governo resigna-se ao continuismo. O País adia-se. Deveria o verso de Alexandre O?Neil pairar permanentemente na cabeça destes governantes: «Portugal, questão que eu tenho comigo mesmo».
Nota: Todos os dados aqui referidos podem ser consultados no relatório de Susana da Cruz Martins, Rosário Mauritti e António Firmino da Costa, Condições Socioeconómicas dos Estudantes do Ensino Superior em Portugal (em itálico), Lisboa, Direcção Geral do Ensino Superior, 2005
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