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Os intelectuais e a participação política

Utopística é uma séria avaliação das alternativas históricas, o exercício do nosso julgamento face a uma racionalidade substantiva de uma alternativa possível de sistemas históricos. É a sóbria, racional e realística evolução dos sistemas sociais humanos, com os constrangimentos do seu contexto e as zonas abertas à criatividade humana. Não a face do perfeito (e inevitável) futuro. É antes um exercício, simultaneamente, nos campos da ciência, da política e da moral.
- Immanuel Wallerstein (1998) (1)

Esta definição de utopística, apresentada pelo sociólogo-historiador norte americano Immanuel Wallerstein em contraponto a utopia, surge-nos como particularmente estimulante no plano da reflexão intelectual neste período marcado por profundas decepções democráticas em países de língua portuguesa, seja em Portugal pelo rumo de algumas políticas adoptadas após a vitória eleitoral do Partido Socialista, seja sobretudo no Brasil depois dos enormes escândalos que desacreditaram nos planos ético e político, talvez irremediavelmente, a Administração do Presidente Lula da Silva e o seu partido, o Partido dos Trabalhadores.
As políticas públicas, nos últimos vinte e cinco anos, têm sido marcadas por uma ortodoxia que tem no chamado «consenso de Washington» a sua expressão síntese: disciplina fiscal, cortes na despesa pública, reforma fiscal, liberalização financeira, taxas de câmbio, liberalização do comércio, investimento estrangeiro directo, privatização, desregulação e direitos de propriedade. Também na educação, neste período, se assistiu à lenta mas segura afirmação de um novo bloco social hegemónico que tem vindo a impor um novo senso comum nas políticas de educação, assente numa redução dos conceitos de democracia (e de democratização do ensino) às práticas de consumo (educacional), de cidadania a um individualismo possessivo, e de igualdade ao medo da diferença e ressentimento face ao outro.
Algumas têm sido as tentativas de fazer de outro modo, de mostrar que um outro mundo é possível, que vão desde a Revolução Portuguesa do 25 de Abril de 1974, num passado não muito distante, às grandes movimentações sociais que têm no Fórum Social Mundial a sua mais significativa expressão, e às propostas da Internacional Socialista e de algumas instâncias das Nações Unidas para a regulação da globalização hegemónica neoliberal, ou para a construção de formas mais democráticas e justas de governação mundial.
Neste contexto de afirmação de um pensamento hegemónico que considera os actuais modelos económico-sociais e de governação o fim da história (Fukuyama), o papel dos cientistas sociais implicados com os processos de transformação social ganha um novo e acrescido sentido, por muito grandes que sejam as decepções com os percursos seguidos por algumas soluções que ajudaram a construir.
O conhecimento, por ser um construído social e um produto histórico, é, inquestionavelmente, uma prática política, que não é neutra nem apolítica, mas que também não obedece às mesmas lógicas e à mesma agenda do campo político. Como dizia o sociólogo francês Pierre Bourdieu, referindo-se especificamente à Sociologia, mas generalizável ao conjunto das Ciências Sociais, onde incluímos as Ciências da Educação, ?quanto mais a sociologia se torna científica mais se torna politicamente pertinente e eficiente, nem que seja a título de instrumento de crítica, de sistema de defesa contra as formas de dominação simbólica que nos impedem de virmos a ser verdadeiros agentes políticos?(2).
O conhecimento pedagógico há muito que nos ensina que um dos principais meios de aprendizagem é constituído pelo erro. Se acreditamos que a utopística não é o perfeito e inevitável futuro, mas antes um exercício simultâneo nos campos da política, da ciência e da moral, como sublinha Wallerstein, então a intervenção dos cientistas sociais justifica-se mais do que nunca. O seu silêncio, ou o recuo para projectos  exclusivamente de natureza pessoal, torna-se insustentável. A sociedade, e em particular aqueles que menos recursos possuem, exigem uma intervenção, designadamente no plano educacional, capaz de dar suporte a uma pedagogia da esperança (Paulo Freire) no futuro da humanidade, (re)valorizando a acção política como espaço e tempo de possibilidade de construção de alternativas históricas.

1) Utopistics, or Historical Choices of the Twenty-First Century, New York, New Press, 1998, p. 1-2.
2) P. Bourdieu e L. Wacquant, Réponses, Seuil, Paris, 1992, p. 41.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

António Teodoro
Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa
António Teodoro
Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa

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