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Professores, qualidade e mudança

Reconhecer, valorizar, respeitar e estimar aqueles que escolheram o exercício da docência como carreira profissional, é este, em síntese, o grande apelo que a UNESCO vem renovando anualmente por ocasião do Dia Mundial do Professor (5 de Outubro). Em mensagens conjuntas com organizações como a ILO, a UNDP e a UNICEF, pretende-se assim exortar os governos e as comunidades de todo o mundo a tomarem medidas que ajudem a enaltecer o papel crucial dos seus professores, porque eles «fazem a diferença», «ajudam a abrir as portas de um mundo melhor», «são testemunhos vivos de uma formação ao longo da vida» e «a grande força da mudança social». No seguimento de máximas como estas, e antecedida por um simples «bravo e obrigado, apreciamos o vosso trabalho» (2004), a divisa agora escolhida pelas Nações Unidas aponta para a existência de «professores de qualidade» como condição de «uma educação de qualidade» (2005). Entende-se, justamente, que sem profissionais motivados, reconhecidos e apoiados no seu profissionalismo e capacidade de entrega, não é possível falar em qualidade da educação. 
Considerando os imperativos de desenvolvimento humano deste milénio, a preocupante escassez de professores verificada em muitas partes do mundo, associada à progressiva desmotivação em relação a tarefas relacionadas com a docência, deve, só por si, funcionar como sinal de alerta. É preciso, é urgente, tornar a actividade docente profissionalmente atractiva para as novas gerações. O que, antes de mais, passa por encorajar e motivar aqueles que já a exercem, que a escolheram e que diariamente a honram com a sua dedicação profissional. 
Num mundo tão «desconcertado» e polifónico, como este em que vivemos, desvalorizar a força cívica dos consensos produzidos no espaço de uma cidadania planetária constitui, em nosso entender, uma absurda irresponsabilidade. Tanto mais absurda quanto ela nos aparece protagonizada por quem, corporizando funções de Estado, tem a obrigação de liderar o processo de amadurecimento da opinião pública. Com efeito, não se promove a qualidade da educação através de um discurso público que, afinal de contas, não faz mais do que incentivar as vozes de um senso comum feito de demagógicos «evidentementes», isto é, de «verdades» que, de tão evidentes, mentem, conforme alerta António Nóvoa (2005).
Ora, contrariando o sentido de todas as recomendações internacionais, no lugar de palavras de apoio e incentivo, os professores portugueses têm vindo a ser bombardeados com mensagens agressivas que, como sabemos, em nada contribuem para o prestígio do sistema e para o bom funcionamento das instituições. Em Outubro de 2005, no dia concebido para festejar e aplaudir o seu trabalho, os professores portugueses foram obrigados a sair à rua para mostrar a sua indignação e o seu descontentamento. Os professores portugueses sentem a sua profissão em risco, socialmente desqualificada e ameaçada de proletarização por decisões que, na verdade, ignoram a riqueza, a singularidade e a complexidade que fazem de cada «tempo de escola» um tempo precioso de vida, de aprendizagem e de experiência humana. Com justificado sentido de oportunidade, as editoras apressam-se a oferecer «manuais de ajuda» e «pacotes de sobrevivência». Enfim, sinais de um tempo triste, desencantado e perigosamente pessimista, sintomas de uma democracia doente.
Dentro da classe, assistimos a reacções contraditórias. Algumas pessoas confessam-se mesmo pouco, ou nada, incomodadas com este estado de coisas porque, afinal, são capazes de responder por anos de esforço e dedicação. Não se deixem enganar caros colegas, o discurso de desqualificação atinge-nos a todos, sem excepção. A perversidade deste discurso está até no modo como faz obscurecer as boas práticas e, por vezes, nos rouba o ânimo para persistir no movimento quotidiano de produção da mudança, necessária e possível. Para «dar a volta à situação», o que é preciso é investir em gestos, pessoais e colectivos, que nos permitam atestar o poder de uma profissão coesa e solidária. Que o mesmo é dizer, que nos permitam afirmar o orgulho de pertencer a uma profissão intelectualmente exigente, construída à medida da sua relevância social e humana.
Também a este propósito, é importante ouvir a voz das crianças e dos jovens. No mês de Maio de 2002, em Nova Iorque, teve lugar a Sessão Especial das Nações Unidas sobe a Infância onde, pela primeira vez, as crianças estiveram presentes na qualidade de delegados oficiais. Não foi, pois, por acaso que a mensagem conjunta do dia 5 de Outubro desse ano incluía uma chamada de atenção para as palavras sobre os professores que haviam sido proferidas, nessa sessão internacional, pelos jovens delegados. É que, «por mais sofisticados que possam tornar-se os instrumentos utilizados na actividade docente, eles não podem substituir o contacto humano, a compreensão e a ponderação de um professor com preparação profissional» (UNESCO, 2002). Os professores são agentes privilegiados de proximidade humana, são adultos de referência num mundo que reclama valores como a consideração, o cuidado e a capacidade de assumir responsabilidade perante o outro. Ou seja, além do mais, fomentar um clima de suspeição e de desrespeito pela função docente corresponde a uma péssima lição cívica que, como será fácil de prever, acabará por revelar «custos sociais» muito elevados.
Repetimos, num tempo socialmente comprometido com ideais de progresso humano, de paz, de justiça e solidariedade, a palavra de ordem é valorizar, respeitar reconhecer e estimar os professores, em cada espaço de aula, em cada escola, em cada comunidade, em cada país.


  
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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