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Jogos Olímpicos de Lisboa 2016

Com tiradas ?utópicas e irrealizáveis? têm-se aberto as portas à demagogia e transformado o desporto num instrumento de balbúrdia partidária (?) O ?Público? em 13/11/93 anunciava que os dirigentes do PSD durante a campanha para as autárquicas, logo secundados pelo PS, prometeram a realização dos JO no Porto em 2004! No frenesim em que transformaram a campanha, bem poderiam ter prometido o elixir da vida eterna pois seria a mesmíssima coisa.

A hipotética candidatura à realização dos Jogos Olímpicos (JO) está a colocar a cúpula do olimpismo numa posição perfeitamente ridícula. As situações classificam-se entre o hilariante e o trágico.
O comandante Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), depois de ter sido recebido pelo então primeiro-ministro António Guterres informou solenemente a comunicação social (Público, 31/7/01): ?Fiz a proposta utópica e irrealizável de Portugal receber os Jogos Olímpicos (JO). Não é importante em que ano, 2016 ou 2020...?. Rui Cartaxana expressou magistralmente a sua opinião no ?Record? (1/08/01): ?Totalmente de acordo, quanto à proposta. Quanto ao ano, sugiro antes 2442, que é uma capicua?. Isto é o cómico, o trágico é que o comandante não desarma.
Com tiradas ?utópicas e irrealizáveis? têm-se aberto as portas à demagogia e transformado o desporto num instrumento de balbúrdia partidária. O problema já vem de longe e aqui começa o trágico. O ?Público? em 13/11/93 anunciava que os dirigentes do PSD durante a campanha para as autárquicas, logo secundados pelo PS, prometeram a realização dos JO no Porto em 2004! No frenesim em que transformaram a campanha, bem poderiam ter prometido o elixir da vida eterna pois seria a mesmíssima coisa.
Passado o prazo de 2004, surgiu a candidatura a 2008. Em 30 Outubro de 1999 (Público, 31/19/99), foi o próprio Presidente do Comité Internacional Olímpico a anunciar que 13 cidades eram candidatas à realização dos JO de 2008 entre as quais Lisboa! Contudo, poucos dias depois, o Governo e o COP anunciaram não existirem condições para que tal pudesse acontecer. O secretário do COP justificava-se perante o País: ?Portugal precisa, primeiro, de se afirmar no plano desportivo, com obtenção de grandes resultados? (Record, 3/2/00).
Seis meses depois o problema estava resolvido! Armando Vara, Ministro do Desporto, acabadinho de tomar posse em 14/9/00, ofuscado pelo fogo de artifício de Sydney e embalado nas palavras dos nossos olímpicos dirigentes, portanto em perfeitas condições para tomar uma decisão de pelo menos sete mil milhões de euros, deu ?luz verde à candidatura Lisboa 2012?, afirmando: ?Há uma grande vontade de todos em avançarmos com o projecto? (Record, 1/10/00).
Felizmente, José Lello que substituiu Armando Vara emendou a mão e afirmou ao ?Record? (1/7/01): ?Temos de ter a noção do que podemos fazer e eu acho que lançar uma candidatura aos JO (?) é continuar a investir no discurso da retórica e não no discurso do rigor?. José Sócrates (Record, 28/7/01) reforçou: ?Achei sempre ridículo e caricato alguém falar disso?. Carlos Carvalhas, respondeu à ?A Bola? (13/3/02): ?Nas condições actuais essa candidatura não faria sentido e poderia ser mesmo uma irresponsabilidade?. Durão Barroso esclareceu: ?Primeiro temos que atingir padrões europeus de prática desportiva, depois poderemos pensar em outros desafios? (A Bola, 14/3/02). Finalmente, Marcelo Rebelo de Sousa na TVi (22/8/04) pôs um ponto final no assunto esclarecendo para quem o quis entender que quem defende a organização dos JO em Portugal não sabe o que está a dizer.
Mas os arautos dos JO de Lisboa não se deram por vencidos. Na abertura dos Jogos de Atenas, tal qual tragédia grega, foi preparado o enredo para, duma forma maviosa, envolver o Presidente da República (PR) na candidatura aos Jogos de 2016. Para que tudo parecesse perfeito foi fundeada a Sagres no porto de Pireu, a fim de fazer de residência oficial do PR. Contudo, Jorge Sampaio não foi no canto das sereias do nosso olimpismo. Numa espécie de Ulisses à portuguesa fez-se amarrar ao mastro principal da Sagres, quer dizer, à nossa realidade social e recusou a hipotética candidatura: ?Trata-se de um empreendimento demasiado avultado? (Record, 13/8/04).
Não se sabe quem foi o Circe de Jorge Sampaio, o que se sabe é que tem de continuar atento porque o comandante não desarma e parece querer morrer em combate. Em 30 de Agosto voltou à carga argumentando num programa da RTP1 que a realização dos JO, para além de ter viabilidade económica, exemplificando com Atenas, contribuiria para ultrapassar a ?falta de profundidade? do desporto nacional. Contudo, em Atenas as estimativas iniciais de 6 mil milhões de dólares, dispararam para 9 e espera-se que atinjam os 12 (Sport Business, 15/11/04). A situação é tal que o governo grego depois do circo, já está a cortar no pão. Quanto à ?falta de profundidade?, como é fácil de entender, só será superada através de políticas de promoção da prática desportiva a montante, dirigidas à generalidade da população.
Entretanto, o País foi surpreendido por mais um momento hilariante protagonizado pelo presidente do COP, desta feita acompanhado pelo edil de Lisboa. Enquanto que o primeiro propôs uma ?candidatura aos Jogos?para perder? (Record, 22/9/04), o segundo, provavelmente ainda deslumbrado pelo cenário mitológico da abertura dos Jogos de Atenas a que assistiu, declarou: ??apercebi-me do tipo de preocupações, de necessidades e investimentos que tiveram de ser feitos, e seguramente Portugal está à altura do evento? (Correio da Manhã, 27/11/04). Nem mais, nem menos!
Hoje, o desporto é demasiado importante para se brincar com ele a fim de se obterem simples ?efeitos de anúncio?. Uma candidatura aos Jogos Olímpicos exige um padrão de competência e responsabilidade que não se compadece com as habituais tiradas de alguns políticos em busca de uma lugar no Olimpo. Por agora, parece que as coisas arrefeceram já que, perante uma centena de figuras ligadas ao desporto (TSF, 18/1/05), o líder socialista afastou a hipótese de uma candidatura, alegando que as actuais condições económicas e financeiras ?não permitem ao país entrar nessa aventura?. Valha-nos isso.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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