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A Escola não é um aulário

Como explicar que a esmagadora maioria dos pequenos e médios empresários portugueses (cujo nível de qualificação é, em média, inferior ao dos seus trabalhadores...) tivesse respondido que não pensavam voltar a estudar para melhorar a sua formação?

Até aqui o problema mais mediático do ensino secundário residia na divulgação dos rankings das escolas. A comparação  dos seus resultados assim como das discrepâncias verificadas entre as classificações finais internas e as dos exames era tema obrigatório de análise, apesar das conclusões não serem consonantes entre os ?analistas?. Este ano, a resposta célere do Ministério da Educação em divulgar os resultados da 1ª e 2ª fases, calou as vozes dos comentadores, que se viraram para outro assunto -  o n.º de horas em que os professores devem permanecer na escola.
Fizeram-se comparações e análises superficiais, de que destaco duas: a análise de Miguel de Sousa Tavares que descobriu que os professores tinham mais férias do que aulas e, a gafe do próprio Presidente da República, Jorge Sampaio, ao referir o modelo finlandês, em que os professores permaneceriam 55 horas semanais na escola.
Naturalmente, que os maus resultados, a baixa taxa de sucesso escolar, e os níveis de abandono verificados, exigem uma solução que passa pela modificação da Escola. Contudo, esta não pode ser a panaceia de todos os males.
Como explicar o apoio popular a um autarca, cujo perfil é difícil de aceitar num Estado democrático e de direito, em detrimento de outro que, embora menos convincente, se sujeita às regras de convivência democrática? Como se explica, como perguntava Miguel de Sousa Tavares, que os autarcas algarvios exijam do Governo soluções para o abastecimento de água (que a seca tem agravado) e omitam a referência à criação de 20 novos campos de golfe (que exigem grandes quantidades do mesmo líquido)? Como explicar que a esmagadora maioria dos pequenos e médios empresários portugueses (cujo nível de qualificação é, em média, inferior ao dos seus trabalhadores...) tivesse respondido que não pensavam voltar a estudar para melhorar a sua formação? Como se explica que cerca de 50 por cento dos estudantes não concluam ou abandonem o ensino superior? Que dizer dos autarcas que apostam mais em redes viárias e rotundas sofisticadas e se esquecem de salas de teatro e cinema, e de outras iniciativas em prol da cultura?
Não é à Escola que cabe a única responsabilidade de solucionar estas situações. A esse propósito, não posso deixar de citar José Gil(1) que escreveu: ? ... o direito à cultura e ao conhecimento ainda não chegou ao sentimento da população portuguesa. .... Essa aspiração não é, pois, uma exigência tão evidente para os portugueses, iliteratos e analfabetos, que saiam para a rua em manifestação pelo direito à cultura? Porquê?". A resposta vem do facto da mudança de regime em Abril de 74 não ter conseguido ?abolir a divisão instruído/sem instrução que correspondia mais ou menos ao par poder-saber/pobreza-ignorância do tempo do salazarismo». A sociedade actual mantém os atavismos que se caracterizam pelo: ?... medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber...?.  Acresce a isso, o facto de Portugal  conhecer ?...uma democracia com um baixo grau de cidadania e liberdade?, em que os direitos de cidadania  política não acompanham sempre ?...os direitos sociais, iguais para todos ? direitos à educação, à saúde e todo o tipo de serviços sociais.?
Em conclusão, a excessiva centração nas aulas (anteriormente, virava-se para os exames nacionais e seus resultados) poderá contribuir para a recuperação de um modelo de professor inadequado aos novos tempos e desafios. O acto educativo não é apenas instrutivo e racional, é cada vez mais um acto afectivo, emocional e de cidadania. A excessiva concentração de professores na Escola, onde não são  garantidas as melhores condições  de trabalho, poderá levar a uma maior preocupação destes no cumprimento de horários do que nas tarefas complementares, onde o desempenho cooperativo e comunitário se poderia realizar. A Escola enquanto espaço de desenvolvimento cultural e de cidadania é , assim, relegado para segundo plano.

1. GIL, José, Portugal, Hoje ? O medo de existir, 4ª ed., Relógio d?Agua, Lisboa, 2005


  
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo
Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo

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