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Fundamentação técnica da agenda político-educativa?

O PORTUGAL DAS EDUCAÇÕES [VI]

Se os resultados não são novos, se em anteriores anos não se produziu reflexão (que se conheça!) nas escolas sobre o assunto, como é que então o Ministério resolve simplesmente continuar à espera?

No último artigo, enfatizei o facto das qualidades da educação não serem um fenómeno neutro e a-político, nem serem uma tarefa que apenas possa ser entregue aos amadores da educação, por muito prestigiados e bem falantes que sejam. Neste contexto, critiquei dois tipos de discursos sobre o desenvolvimento do sistema educativo e pus em evidência o facto de haver pouca fundamentação técnica para a agenda política sobre a educação: (1) serem utilizados indicadores de diagnóstico da realidade pouco fiáveis e estatisticamente pouco trabalhados; (2) discutir-se os baixos resultados das provas internacionais e das provas de aferição do sistema com base em dicotomias (memorizar/ ter prazer em aprender; treinar/ jogar, etc) que são ignorantes da teoria educativo-pedagógica.
Vejamos um exemplo sobre a falta de fundamentação técnica da nossa agenda político-educativa. No passado mês de Abril o Ministério da Educação publicitou os resultados das provas de aferição de Matemática e Língua Portuguesa de 2004, tendo feito um diagnóstico negativo sobre o que encontrou. A responsável pela concepção e aplicação das provas foi inquirida pelo jornal «O Público » (11/5/2005) e produziu uma declaração do seguinte tipo: (1) já estávamos à espera, (2) são semelhantes aos dos outros anos, (3) ficamos à espera que as escolas façam uma reflexão sobre o que encontrámos e definam projectos educativos adequados. Para mim este tipo de discurso é irresponsável. Se os resultados não são novos, se em anteriores anos não se produziu reflexão (que se conheça!) nas escolas sobre o assunto, como é que então o Ministério resolve simplesmente continuar  à espera?
Como já referimos noutros artigos parece continuar a haver uma ?fé?  na política de autonomia escolar local que começa a revelar-se caricata e absurda. Mas também dá muito jeito, porque assim o Ministério não precisa de ir mais longe no tratamento estatístico dos dados, nem no conhecimento sobre as práticas que justificam os resultados obtidos. O Ministério com este discurso legitima a falta de fundamentação técnica da sua agenda política e evita ter que tomar posição sobre o que deseja para o país, pois trata os dados como se estes tivessem um significado inquestionável, como se a explicação para os medíocres e sofríveis resultados, nas duas disciplinas e em cada um dos itens das provas de aferição divulgadas, fossem evidentes e equivalentes.
Vejamos algumas perguntas sobre estas provas de aferição, que julgo caberiam ao Ministério responder: Quais as práticas e os contextos pedagógicos que explicam, mais ou menos, a hierarquia e os níveis de resultados obtidos? Qual a relação que existe entre os níveis e as hierarquias de resultados em Língua Portuguesa e em Matemática? Que tipo de resultados seriam desejáveis para o Ministério, de forma a percebermos a concepção de qualidade educativa que tem?
A resposta a estas questões envolve melhor tratamento dos dados, envolve escolhas, envolve assessoria  técnica competente, com conhecimento pertinente sobre o assunto e, pressupõe hipóteses de interpretação e explicação que o relatório das provas de aferição evita desenvolver. Neste contexto, o caminho que se escolhe é o de pedir aos professores localmente, sem assessorias técnicas e sem hipóteses teóricas de reflexão, para pensarem e responder aos problemas. Fiquemos assim mais uma vez à espera das iniciativas das escolas. Tenhamos fé!
Entretanto, parece que se prepara um novo grande plano de formação de professores, onde terão lugar de destaque as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Será um novo plano em quantidade de formação-informação? É que se o Ministério não responder às perguntas que formulámos, ou a todas aquelas  que remetam para uma melhor fundamentação técnico-educativa e pedagógica do que quer e do que é possível fazer, arriscamo-nos a fazer um novo grande investimento em formação com, novamente, fraca produtividade. Arriscamo-nos, por muito absurdo que possa  parecer,  a continuar a pensar a educação como se se tratasse de construir pontes e estradas: voluntarismo+ investimento+ adaptação administrativa+ acção local.


  
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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