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Médico, Arquitecto, Engenheiro? Professor é que não!

?para uns, os filhos terão explicações, escola para além da escola, que pouco mais faz que certificar, onde farão os trabalhos de casa, treinarão com professores experientes as manhas de como tirar notas elevadas para aceder às profissões mais prestigiadas; para outros, não é possível repetir o ano para tentar subir as notas e, muito menos, ter explicações para conseguir ter mais que 16?

Há dias, ainda em tempo de praia, ouvi um casal dizer insistentemente para o filho: ?vais repetir o ano que é para subires de notas, dizia o pai. Se não tiveres notas superiores a 18, anulo-te a matrícula e repetes, de novo, o 12.º Ano?. Ele médico, ela professora, ambos insistiam em duas avenidas de pouca liberdade: ?ou serás médico ou serás arquitecto. Uma coisa é certa: não podes descer de nível nem reduzir o nosso estatuto?.
Este pequeno apontamento etnográfico mostra-nos, no fundo, raciocínios de muita gente que, por esta altura (escrevo em vésperas da saída dos resultados do acesso ao ensino superior 2005), reza, também, para que essa probabilidade se tenha concretizado. O problema, nada novo, é que, para uns, os filhos terão explicações, escola para além da escola, que pouco mais faz que certificar, onde farão os trabalhos de casa, treinarão com professores experientes as manhas de como tirar notas elevadas para aceder às profissões mais prestigiadas; para outros, não é possível repetir o ano para tentar subir as notas e, muito menos, ter explicações para conseguir ter mais que 16. Quando elas têm que ocorrer, e a muito custo para muitos pais, são apenas para garantir o 10 (cf. Vieira, 2004).
Do trecho acima, pode-se inferir que a preocupação dos pais nem é sequer que o filho siga um curso com garantias de emprego. De resto, sabemos bem quão difícil é o arranjar emprego no final da licenciatura e que, em boa parte dos casos, é o capital social dos parentes, vulgo cunha, que acelera ou torna possível esse processo. A insistência destes pais é, essencialmente, para o facto de não quererem que o filho ?tire? simplesmente um curso mas, antes, um curso de ?grande estatuto?: médico ou arquitecto.
Claro que, o mesmo sucede, como sabemos, em muitos casos que, na melhor das hipóteses, acrescentam: ?quando muito serás engenheiro?. Mas, mesmo aí, a coisa não é linear: ?tem de ser no Técnico?. A questão é que não pode ser um curso que não seja acreditado pela ordem dos engenheiros. Logo, ?nem pensar estudares no Politécnico?. Digam-me lá, quem está desse lado, se não é verdade que o Ensino Politécnico é muitas vezes a última escolha? Claro que também pode ser a primeira: para aqueles que nem puderam sonhar com a medicina, nem com a arquitectura. Os que sonharam ser médicos, provavelmente colocaram em segunda escolha Enfermagem e aí o Politécnico até pode servir. Os que são dados mais às estruturas físicas e conseguiram pouco mais que o tal 9,5 que a muitos tem feito tremer, esses buscarão em primeiro lugar o Instituto Politécnico que lhes estiver mais à mão.
Parece tudo simples mas não é. Nada disto é o resultado exclusivo da hierarquia de mérito dos alunos. Muita coisa está por detrás destes dados aparentemente objectivos, como já mostrámos noutros sítios (Vieira, 2004, Trindade, 2004).
E quem quer ser hoje professor? Ontem eram também aqueles que, sendo engenheiros, artistas, intérpretes, poetas ou outros, não encontravam lugar para trabalhar a não ser numa escola onde há muito tinham sido alunos. Hoje, nem pensar nisso. A importância da escolha de um curso está de facto bem mais presente na cabeça de alunos e suas famílias. Alguns querem ser educadores e professores do 1.º ciclo. E durante algum tempo haverá ainda quem o queira ser. Por vocação. E que mais? Os cursos de formação fecham, não têm vagas para oferecer porque não há procura. E por que razão? A profissão tem, de facto, sido mal tratada. Mas será apenas por isso?
Muitas perguntas, poucas respostas! Como sempre, se quisermos ser honestos e prudentes.
Moral da história, para hoje: as coisas não estão bem. O ingresso nos diferentes cursos não deveria resultar unicamente da nota de acesso, não só porque ela reflecte a desigualdade social, como vimos, mas também porque ela, só por si, não garante a melhor distribuição das pessoas pelas diferentes profissões necessárias à sociedade, isto se olharmos a competências fundamentais para o exercício de algumas e que a nota de acesso não espelha: empatia, capacidade de comunicação interpessoal, espírito de entrega e entreajuda, etc., etc.. De que vale um médico ou um enfermeiro se não for capaz de ouvir a epistemologia do paciente?
Ficam as restantes dúvidas para a próxima.

Referências bibliográficas

  • VIEIRA, Ricardo (2004). ?Explicações é preciso: os filhos de peixe não sabem nadar?, in VIEIRA, Ricardo (Org.). E Agora Professor? A Transformação na Voz dos Professores, Porto: Profedições.
  • TRINDADE, José (2004). ?Os Párias?, in VIEIRA, Ricardo (Org.). E Agora Professor? A Transformação na Voz dos Professores, Porto: Profedições.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

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