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Accountability e igualdade de oportunidades em educação

No caso concreto de Inglaterra, as pressões associadas à política de accountability, associadas a dinâmicas de mercado livre na escolha de escola, têm contribuído para estreitar o currículo, discriminar alunos com maiores dificuldades académicas e comportamentais e aumentar os níveis de insucesso e exclusão.

Não existe em Português um termo que expresse o significado exacto de accountability. Tem sido traduzido como responsabilidade, responsabilização, respondabilidade, responder pelas acções, prestação de contas, etc. No entanto, nenhum traduz com exactidão o termo em Inglês. Accountability enquanto conceito e prática tem origem na gestão empresarial e diz respeito à prestação de contas centrada nos resultados, numa lógica de racionalidade produtiva económico-financeira. Nas últimas décadas, o termo tem vindo a ser adoptado em domínios de política social, considerados bens sociais comuns, como a educação e a saúde. Ou seja, bens que por inerência, são direitos fundamentais de todos os cidadãos aos quais devem ter acesso e deles usufruírem em igualdade de circunstâncias. É absolutamente necessário prestar contas acerca da qualidade dos produtos (e, indirectamente, acerca dos processos e dos agentes) das instituições responsáveis por serviços sociais públicos. É uma obrigação de quem as dirige e um direito elementar da colectividade a quem os serviços se destinam. No entanto, o carácter social destes bens torna indispensável desvinculá-los de processos de accountability baseados em perspectivas de rentabilidade mercantilista e/ou de controlo burocrático que tendem a reforçar a discriminação dos mais desfavorecidos face àqueles bens. Na educação, o recurso a modalidades e técnicas de avaliação que permitam comparações globais de resultados e hierarquização de escolas, tem constituído o meio politicamente privilegiado de identificar os produtos (das aprendizagens dos alunos) do sistema. Ou seja, o testing tem constituído a pedra de toque da accountability em educação. Baseados nestes moldes, os professores e as escolas tendem a organizar os processos de ensino em função de modalidades de avaliação politicamente exigidas. E não o contrário, ensinar e avaliar em função das especificidades dos alunos. Este aspecto é tanto mais relevante quanto a diversidade étnica, cultural, linguística e socio-económica é um fenómeno crescente nas escolas. A prestação de contas com incidência exclusiva nos resultados de testes, sem inclusão de dimensões sociais e políticas, coloca em questão processos organizacionais e de ensino fundamentais para a igualdade de oportunidades em educação. Rustique-Forrester (Accountability and the Pressures to Exclude, Educational Policy Analysis Archives ? 2005, April 8), sistematiza algumas conclusões da investigação que vão nesse sentido. Perspectivas internacionais comparativas sobre políticas nacionais de accountability em educação, apontam para inter-relações complexas entre as pressões dessas políticas e consequências não previstas ao nível da organização das escolas e do desempenho pedagógico dos professores. No caso concreto de Inglaterra, as pressões associadas à política de accountability, associadas a dinâmicas de mercado livre na escolha de escola, têm contribuído para estreitar o currículo, discriminar alunos com maiores dificuldades académicas e comportamentais e aumentar os níveis de insucesso e exclusão. Os professores tendem a ser menos tolerantes com esses alunos. Estes efeitos foram particularmente sentidos em escolas de áreas carenciadas, com frágeis estruturas internas de apoio à comunicação entre o pessoal, à colaboração entre professores e às necessidades individuais dos alunos.
Uma justa prestação de contas acerca dos produtos da educação não pode resultar de pressões políticas que ignoram a crescente diversidade da população escolar, os seus contextos sociais e culturais e os processos organizacionais e pedagógicos que permitem salvaguardar o princípio da igualdade de oportunidades em educação e reduzir as escolas e os professores a simples meios de testagens ao serviço de uma visão estreita de accountabilty.


  
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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