Página  >  Edições  >  N.º 148  >  O caso do relógio

O caso do relógio

Ouviu o toque da campainha a avisar que se tinham esgotado os 10 minutos de tolerância e apressou-se em direcção ao relógio onde deveria picar o ponto. Era o primeiro dia da celebre ?requisição civil? de professores e António Grilo estava convocado para fazer vigilância aos Exames Nacionais na Escola Secundaria de Paredes, onde lecciona Educação Visual e Tecnológica. Olhou para o seu relógio e verificou que ainda faltavam dois minutos para a hora do ponto. Mas estava já pronto ?a picar? quando foi informado de que não o podia fazer. De acordo com o relógio ?oficial? da escola tinha passado a hora exacta da tolerância, sendo que já não escaparia à devida falta.
Não fosse António Grilo, um interessado pelas questões do tempo, e o assunto ficava por aqui. O caso é que o relógio do professor, anda a par e passo do tempo universal. Para provar que o relógio da escola estava adiantado dois minutos, António Grilo fez o que está habituado a fazer para acertar o seu. Foi ver o relógio do site do Observatório Astronômico de Lisboa, a entidade que em Portugal é responsável pela divulgação da hora, dos minutos e dos segundos exactos.
Tinha razão. Havia um adiantamento no relógio da escola em relação aos seus congêneres nacionais e internacionais. E mesmo, em relação aos locais, já que numa espreitadela a outras salas o professor ficou a saber que havia mais relógios na escola que não batiam certo dos ponteiros. Ora para mais ora para menos. Não que, ?mais minuto ou menos minuto? fosse assim tão vital para a carreira docente. ?De facto, a falta em si não é um problema grave?, desdramatiza.
Pior é extrapolar as consequências do desregulamento do relógio da escola. Imaginar um aluno que chega à hora, diga-se, mas não à que marca o relógio da sala onde faria o exame, e por isso fica à porta. E pior que isso é constatar ?o pouco rigor existente em instituições públicas que precisamente devem funcionar pela observância possível das regras...?, deixa no ar António Grilo.
Entretanto a falta ao serviço, aplicada pela escola ao professor António Grilo, por «atraso» na marcação do ponto, manteve-se, ainda que ele tenha chegado adiantado pelo tempo universal. Justifica-la, pelo adiantamento do relógio da escola, implicaria uma trabalhosa maratona de horas perdidas em requerimentos à Comissão Coordenadora do Júri Nacional de Exames. António Grilo, não tem tempo para isso.
O caricato, graceja, ?é que estamos demasiadamente rodeados de tecnologias para, ainda assim, acreditar num relógio de escola que está numa sala isolado do mundo?. Mas há ainda outra questão. A da ?intolerância?, acrescenta o professor. ?As pessoas não devem ser rígidas ao ponto de serem obtusas.? O relógio causador do caso, ao que parece, depois do sucedido, foi acertado uns minutos para trás da hora exacta. Para evitar mais confusões.

O tempo universal

A hora universal [tempo universal], é um conceito muito recente. Foi definida como tal, em 1882 em Washington, na célebre convenção dos fusos horários, mas a sua adopção em Portugal, aconteceu apenas a 1 de Janeiro de 1912. Nessa convenção estabelecia-se que a hora e o minuto eram os mesmos em todo o globo, sendo a hora função da longitude, ou seja da posição geográfica. Este é o princípio da hora universal.
A definição científica de escala de tempo dessa hora evoluiu com o avanço da ciência e da tecnologia. Até 1967 a unidade SI de tempo, era o segundo de tempo solar médio (baseado na rotação da Terra), mas actualmente é o segundo de tempo atómico.
A responsabilidade de dar o segundo e portanto o minuto desse "tempo universal" cabe ao Serviço Internacional da Rotação da Terra e dos Sistemas de Referência. Assim (IERS), o organismo base da definição de tempo (coordena os trabalhos científicos dos diferentes organismos, como observatórios astronómicos, laboratórios físicos, rede de satélites, GPS, etc.) A hora é um assunto local. Ou seja, cada país define a sua hora legal, seguindo grosso modo a convenção dos fusos horários. Por isso, a hora de Verão é da sua competência.
Para evitar divergências e consequentes incómodos e prejuízos, a União Europeia interveio para uniformizar as datas do início e fim dessa "hora de Verão" nos países da comunidade que a desejavam. Todos os países membros a adoptaram e até 2007 inclusive, as mudanças operam-se sempre à 1h TUC, avançando de uma hora os relógios no último domingo de Março e atrasando-os de uma hora no último domingo de Outubro. Portanto, as mudanças realizam-se no mesmo instante em toda a Europa (os países não-membros seguem as mesmas regras).

Alfredina do Campo, astrónoma do Observatório Astronómico de Lisboa [www.oal.ul.pt]


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo