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Os discursos sobre as qualidades da educação

O Portugal das educações? [V]

Penso que o  debate público e a agenda política sobre ?as qualidades da educação? em Portugal tem sido quase sempre muito pobre e pouco fundamentado. Para este panorama tem concorrido o facto de basicamente se utilizar os resultados de provas internacionais, de provas de aferição nacional e de indicadores de insucesso e abandono escolares  para alimentar o ?queixume nacional? sobre a nossa ?incapacidade educativa?, em lugar de se convocar um maior número de especialistas, das várias áreas, para olhar com mais detalhe para estes indicadores, cruzando-os e contextualizando-os com a teoria e a investigação sobre o que se faz  todos os dias nas escolas.
Para pensar a qualidade da educação (básica) em Portugal têm-se desenvolvido dois tipos de discursos. O primeiro baseia-se na ideia de que educar é como construir pontes e estradas: projecta-se, define-se metas, adequa-se os processos administrativos aos objectivos, aplica-se os investimentos adequados e espera-se pelos efeitos automáticos de difusão do acesso à escolaridade. A lógica é a de continuar a maximizar a quantidade de diplomados aos mais diversos níveis, sem cuidar de saber quais as aprendizagens que podem garantir saberes-fazer e saberes-pensar, dentro e fora da escola, no futuro. Neste contexto, convirá ter claro que o indicador insucesso escolar (medido pelo número de reprovações por anos escolares) deixa de ser fiável para medir as aprendizagens, passando antes a medir o ?grau de aderência? dos professores a este discurso sobre a qualidade-quantidade educativa. Esta suposta aderência resulta  de uma continuada pressão administrativa sobre os professores para não serem criteriosos na avaliação final de cada aluno em cada ano escolar, facilitando as transições de ano escolar.
Um exemplo deste discurso sobre a qualidade educativa é-nos dado pelo chamado ?Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar? (Março 2004), o qual fundamenta a actual (e consensual!) política de expansão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Uma leitura  atenta deste documento parece mostrar  que o insucesso escolar no ensino básico não diminuiu nos últimos 20 anos. O que se passou foi apenas um adiamento do insucesso: em lugar de se reprovar no 2º ano do 1º ciclo ou no final do 1º ciclo passou a reprovar-se  mais no final do 2º ciclo e no 1º ano e 2º ano  do 3º ciclo do ensino básico. Os alunos permaneceram mais anos na escola e, por essa via, seria esperado que ao não reprovarem tão cedo teriam mais oportunidades de, mais tarde, fazerem as mesmas aprendizagens, sem sofrerem o estigma do insucesso. Mas não, o insucesso ocorre do mesmo modo e consequentemente o abandono escolar é apenas adiado.
O segundo tipo de discurso tem sido critico do primeiro discurso, mas lamentavelmente grande parte dos que o têm criticado têm veiculado uma outra versão para a qualidade da educação que também é pouco fundamentada. Por exemplo, para comentadores como António Barreto (veja-se os conselhos que dá à nova Ministra na sua crónica d? O Público de 19/3/2005) e Filomena Mónica,  a qualidade da educação depende de valores que se centram na memorização do saber, no treino instrumental-cognitivo e no disciplinarmente comportamental, apresentando-os como opostos à curiosidade, ao prazer de aprender e ao saber aprender. A oposição é ?primária? e denunciadora de uma grande ignorância educativo-pedagógica (o mesmo juízo aplico àqueles que criticando este discurso, usam a mesma separação em sentido inverso).  De facto, não percebo como é que se pode discutir seriamente e profissionalmente as qualidades da educação, nos dias de hoje, opondo-se saber a saber aprender, ou, prazer de aprender a memorização do conhecimento. É algo que, para mim, não faz sentido separar!
Em conclusão, é sempre preferível falar no plural: nas qualidades da educação, que enfatizamos e valorizamos. Mas também convirá ir mais longe no debate público sobre a educação, evitando considerações muito gerais sobre educar e aprender. Há que ir mais longe na demanda de conhecimento especializado e técnico sobre o uso dos indicadores educativos  e sobre a aplicação da investigação  científica à reflexão e prática educativo-pedagógica.


  
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Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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