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Em vez de uma carta aberta...

O ano lectivo terminou como começou. Tenso e conturbado, com os professores a servir de bombos da festa e um dos alvos privilegiados da campanha de um governo que usa os funcionários públicos como carne para canhão de uma crise que parece não admitir outras leituras, a não ser aquela que a opinião publicada e os economistas de serviço têm vindo a difundir. Se o processo de colocação dos professores foi um episódio a ser recordado a negro, o processo de requisição civil, neste Verão de 2005, não merece ser mais colorido.
Não está em causa a possibilidade de se discutir o alargamento da idade da reforma de professores e de educadores, o que está em causa é, exactamente, o facto do Ministério da Educação se recusar a debater esse tema em sede própria, fazendo-se tábua rasa do Estatuto da Carreira Docente em vigor. Não está em causa, também, discutir-se se a progressão na carreira é ou não é automática, o que está em causa é a leviandade das afirmações daqueles que, vá-se lá saber porquê, tendem a divulgar a mentira de que toda a formação contínua de professores é equiparável aos cursos de «Feng-Shui» que a Pró-Ordem promoveu e o «Expresso» se apressou a publicitar. Daqueles que, enquanto responsáveis políticos, desprezam o potencial instalado no terreno e as boas práticas em uso, de forma a vilipendiarem todos os que têm vindo a desenvolver, neste âmbito, um trabalho honesto, competente e exemplar. O problema, por isso, não está em separar o trigo do joio, o problema reside, sobretudo, no facto de não se reconhecer que muito do joio que na formação contínua se produz tem a ver com decisões políticas que estão na origem de alguns dos problemas estruturais mais graves com que os directores dos Centros de Formação das Associações de Escolas e as respectivas Comissões Pedagógicas se têm vindo a debater. Seria honesto, então, que em vez de tratar os professores como privilegiados e de dar a entender à opinião pública que os sindicalistas constituem um bando de malfeitores, o governo tomasse as decisões que lhe competem assumir, dissociando a progressão da carreira da obtenção de créditos que as acções de formação contínua proporcionam. Tal atitude, se não permite sustentar operações de marketing para consumo imediato, permitiria, pelo menos, resolver um problema que nenhum governo antes deste teve a coragem e/ou a sabedoria de enfrentar.
O Presidente da República também não deixou de ajudar à festa ao eleger os professores finlandeses como o exemplo a seguir pelos seus colegas portugueses, pelo facto de, miraculosamente, trabalharem cinquenta horas por semana. Não sabemos onde é que o Dr. Jorge Sampaio foi desencantar este número que obrigaria os docentes na Finlândia a trabalhar mais de 8 horas por dia, desde a madrugada de uma qualquer segunda-feira até ao pôr do sol de todos os sábados. O que sabemos é que mensagens destas só contribuem para criar ruído, causar perturbações tão desnecessárias quanto inúteis e, muito possivelmente, esconder a falta de ideias e de um rumo político credível para o sistema educativo português.
É estranho, no entanto, num tempo em que seria necessário que os professores portugueses se mobilizassem para enfrentar os desafios que só a eles compete assumir que se crie um ambiente tão deprimente como aquele que o actual governo e o Presidente da República ajudaram a procriar. Não se discute, por isso, a necessidade de continuar a realizar sacrifícios, na senda daqueles que a Drª Manuela F. Leite já havia introduzido, o que se discute é que se difunda que os professores são privilegiados, apenas, porque alguns deles usufruem, muito justamente, de um conjunto de direitos laborais que ainda não são, mas deveriam ser, universais tanto em Portugal, como na China como, igualmente, no Darfour.
Não alimentamos, finalmente, ilusões acerca do desempenho heterogéneo dos docentes que trabalham nas escolas portuguesas. Não fossem os tristes episódios atrás narrados e tínhamos decidido escrever uma carta aberta aos professores do nosso filho, um aluno do 6 º ano de uma escola pública deste país. Uma carta onde pretendíamos agradecer a alguns dos seus professores o contributo para a sua formação intelectual, cultural e social, uma carta onde ignoraríamos alguns outros e, finalmente, uma carta onde denunciaríamos uma pequena minoria que, a julgar pelo que vimos, ouvimos e vivemos, errou na escolha da profissão. É em nome dos primeiros, as Mercedes, as Luísas, as Margaridas, os Alcídios, as Leonores e mesmo os Antónios que decidimos deixar essa carta aberta para mais tarde, de forma a manifestarmos a nossa mágoa e decepção face à estratégia de confronto utilizada pelos actuais responsáveis do Ministério da Educação. Uma estratégia que passa ao lado dos problemas da educação escolar deste país, já que deprime em vez de estimular e vulnerabiliza em vez de credibilizar. O que é que o país ganha com isso? Num tempo em que as escolas e os professores têm que encontrar outras respostas não só perante os problemas pedagógicos que têm que resolver como, até, perante alguns problemas sociais que, diga-lhes ou não respeito, não poderão ignorar, num tempo assim, em que essas escolas e esses professores têm que ser remobilizados para assumir uma outra visibilidade pública, expor-se de forma inédita e partilhar um pouco mais as suas preocupações, os seus propósitos e as suas decisões não há dúvida de que esta entrada em cena da equipa de Lurdes Rodrigues foi um verdadeiro tiro no pé... pelo menos no pé daqueles que acreditam que as escolas podem ser espaços educativos mais credíveis, mais justos e mais pertinentes.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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