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Vocação ou desvalorização?

?Desde pequena eu dizia que queria ser professora,
fui crescendo com essa idéia
e estudei para então me formar no magistério,
acredito que me tornei professora por vocação
e por gostar de crianças.?
(P
rofessora de uma turma de alfabetização, 2002)

A  epígrafe / citação  que abre esse    texto tem o objetivo de discutir o significado   desta ?vocação?, que aliada ao fato de gostar de crianças se constitue  num dos principais  fatores  da escolha da profissão docente. Além disso , tal fala é  rica de vivências e experiências, tessitura tramada por nós, que vamos ao longo de nossa história pessoal, incorporando discursos, modos de vida, crenças, valores, etc, fios que tecem e constituem nossos atos, engendram fatos e posicionamentos (poderíamos dizer destinos?).
A fala da professora nos  conduz a uma reflexão sobre a naturalização de nosso olhar sobre a realidade, sobretudo aquilo que consideramos natural, sobre  nossa incapacidade de enxergar o que está por trás das evidências, temos um olhar viciado, um olhar marcado/determinado por uma única lógica, que forma/deforma nosso modo de ver e compreender o mundo.
Buscando ao  longo  da história, encontramos em Kreutz (1986), o  termo professor que, segundo ele advém daquele que ?professa fé  e fidelidade aos princípios da instituição e se doa sacerdotalmente aos alunos, com  parca remuneração aqui, mas farta na eternidade?(p.13). Ou seja, um ser  sublime  cujo  único  pagamento  é a alegria de ver seus alunos   aprendendo.  Com  isso vivemos, ao  longo de  nossa história, uma discussão sobre  o nosso processo  de afirmação   enquanto profissão, visto que magistério tem sido sinônimo de  amor, dedicação, vocação, o que dispensaria que ganhássemos bons salários.  Todo esse  discurso só nos leva à desvalorização  e  perda  de status  profissional.
O ideário neoliberal  afirma  a educação de massas, como veículo para a formação dos trabalhadores com o  mínimo de  conhecimentos  necessários para lidar com as novas exigências  do mercado de trabalho. Assim, o Estado promove a expansão da instrução básica, aumentando o número de professores e preparando-os profissionalmente,  incorporando a este processo um número expressivo de mulheres, o que  para o Estado, como mantenedor do Sistema Educacional, é  garantia de  lucro, pois, historicamente a mulher ganha  menos que o homem e o magistério  (em especial o magistério das séries iniciais, onde se encontra a maioria das mulheres-professoras), é uma profissão doméstica (e domesticada), pouco especializada e não competitiva no que se refere ao mercado de trabalho.
Para Nóvoa, a feminização  do magistério, em especial o   magistério primário (as séries iniciais) é um dos principais aspectos que contribuíram para  desvalorização social da profissão, pois tem em sua  gênese como profissão, características como: docilidade,  falta de competitividade e obediência, sendo estes fatores de suma importância para a manutenção da ordem que, aliado ao fato da escola ser concebida como o espaço do silêncio, da obediência, da disciplina, lugar de ouvir  e  não falar , transformam  a educação  e a professora em meros reprodutores de um sistema.
Não podemos negar   que o amor, a paixão  e a  vocação devem fazer parte não só do  magistério, mas  de todas as profissões. Sendo assim temos que ter um olhar  sempre atento para as artimanhas  utilizadas e incorporadas  no  nosso dia a  dia, para não perpetuarmos   políticas e ações  que apenas desvalorizam ainda mais a  função docente; temos que lutar sempre para nos afirmarmos como profissionais  da educação, que    buscam, crescem, estudam, dedicam-se e portanto devem ser valorizados.

Bibliografia:

  • NÓVOA, Antonio.1992. Os professores e sua história de  vida. In: NÓVOA,  A . Vida de Professores, Porto: Porto Edições.
  • SILVA, Ezequiel Theodoro.1996. Professor  de 1º grau : identidade em jogo. Campinas , São Paulo: Papirus Editora.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

Maria Andrade
Membro do Grupalfa ? Pesquisa em Alfabetização das Classes Populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil
Maria Andrade
Membro do Grupalfa ? Pesquisa em Alfabetização das Classes Populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil

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