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O Governo não

O Governo não cumpre promessas. O seu programa proclama que jamais os meios ? rentabilização de recursos, cortes orçamentais ? se transformarão em fins. Alguém ainda acredita?

O Governo não tem uma estratégia para a educação em Portugal. A Ministra da Educação tem-se ocupado de duas tarefas fundamentais: antes de mais cumprir, qual servidora zelosa da situação, a sua parte nos cortes do Programa de Estabilidade e Crescimento (modificando o sistema de formação de professores existente, retirando aos estagiários, para além da justa remuneração, a atribuição de turmas próprias, reduzindo a sua aprendizagem à «prática pedagógica supervisionada» nas turmas do orientador de estágio). Ora, prejudicar a formação inicial de professores, reduzindo a qualidade e as possibilidades de inovação e de construção do ofício de professor é um corte seco e cru na espinha dorsal do sistema educativo. Mas, não menos importante, é sua função, na divisão interna do trabalho político e ideológico do Governo, fornecer ao primeiro-ministro a cabeça decapitada dos sindicatos, colando-lhes os rótulos de meros organismos de agitação corporativa. E com que gáudio pornográfico o primeiro-ministro exibe essa cabeça supostamente decapitada!
O Governo não tem uma estratégia para o primeiro ciclo: aumentar os tempos na escola (em que condições?; com que oferta?; «alunizando» ainda mais as crianças, na feliz expressão de José Alberto Correia? impondo tempos forçados?;  criando alunos-reclusos nas escolas que não são, na verdade, equipamentos educativos ou centros de recursos?) e difundir o ensino do inglês (espécie de fetiche da globalização e da competitividade, esquecendo a importância das equipas coadjuvantes, em áreas como a expressão musical, artística e desportiva).
O Governo não revela intenções firmes e explícitas de combate ao abandono e ao insucesso (não chega fornecer refeições ? e a ligação às famílias, às comunidades e aos territórios? E a construção descentralizada de parte dos currículos? E os projectos educativos?  E a abertura à vida?).
O Governo não sabe nada (ou obriga-se a uma amnésia...) sobre o património teórico-prático das ciências da educação. Ignora a reflexão crítica acumulada sobre a avaliocracia; não estimula formas alternativas de avaliação contínua; esquece os efeitos de selectividade social dos exames e o florescente mercado das explicações; não estimula o ensino experimental e laboratorial; nada adianta sobre as modalidades de ensino tutorial ou acompanhado, apenas se preocupa obsessivamente em ocupar a carga não lectiva do horário docente ? mas com que projectos, com que ideias, com que concretização?!
O Governo não cumpre promessas. O seu programa proclama que jamais os meios ? rentabilização de recursos, cortes orçamentais ? se transformarão em fins. Alguém ainda acredita?


  
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Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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