Não é segredo para ninguém que muitos dos países mais pobres do mundo têm gasto mais dinheiro no pagamento de empréstimos dos países ricos da OCDE, das instituições financeiras e dos bancos privados, do que com a saúde e a educação.
Depois de semanas de intensas negociações, foi conseguido um acordo entre as mais importantes economias do G7. Os cabeçalhos dos jornais ostentaram triunfalmente ? Acordado o Perdão de Dívida de 30 biliões de Libras. Nas linhas seguintes era-nos dito que países como a Etiópia e Moçambique, em conjunto, irão poupar mais 15 biliões de libras nos próximos dez anos em pagamentos da dívida, permitindo-lhes assim despender esse dinheiro em saúde e em educação. Não é segredo para ninguém que muitos dos países mais pobres do mundo têm gasto mais dinheiro no pagamento de empréstimos dos países ricos da OCDE, das instituições financeiras e dos bancos privados, do que com a saúde e a educação. E, não obstante o facto de a Declaração Universal dos Direitos Humanos ter afirmado em 1948 que a educação primária devia ser gratuita e obrigatória para todas as crianças de todas as nações, 60 anos depois as taxas de participação na escolaridade primária são tão baixas que a consecução do objectivo da escolarização primária universal em 2015 (Um Objectivo Chave do Milénio) permanece claramente fora do alcance. De acordo com a UNESCO, em 2001, mais de 103 milhões de crianças em idade escolar estavam fora da escola, ao mesmo tempo que havia 1 bilião de adultos analfabetos. Mesmo quando a escola é fornecida em muitos países de baixo rendimento, não é raro os professores terem turmas com cerca de 100 alunos, ensinando com poucos, ou mesmo nenhuns, recursos associados à aprendizagem. Se a isto se acrescentar o facto de a educação secundária ? uma plataforma necessária para a participação na economia global ? ser um luxo raro, com cerca de 700 milhões de pessoas a viver em países com taxas brutas de participação no nível secundário de menos de 40%, é possível ver a escala do problema. Seja como for, estes números são esmagadores, e não há dúvida de que o resultado da pressão colocada sobre os países ricos e poderosos do mundo através de grupos de pressão e pelo público, para reduzir o endividamento e acabar com a pobreza, é um passo em frente muito bem-vindo. Zâmbia, Tanzânia, Ruanda, Bolívia, Nicarágua, entre outros, ao abrirem a porta das salas de aulas e investindo nas suas crianças em vez de pagar os empréstimos contraídos junto dos países ricos do norte, também estão a investir no seu futuro colectivo. É amplamente reconhecido que o investimento em educação é uma condição necessária, embora não suficiente, para o desenvolvimento. Contudo, enquanto os ministros das finanças dos G7 não têm dúvidas em dar uns aos outros palmadinhas nas costas de felicitações pelo seu ?acordo?, parece-me que necessitamos mais do que um perdão de dívida se os países de baixo rendimento estiverem mesmo determinados a serem capazes de ?desenvolver-se? suficientemente para fornecer educação para todos. Em suma, precisamos de refazer o modelo de desenvolvimento económico e social que se tornou a visão prevalecente dos G7 e das agências de empréstimos multilaterais. Neste modelo, o desenvolvimento bem sucedido e integração na economia global é vista como sendo um produto da potenciação do acesso ao mercado. Instituições como a Organização Mundial do Comércio são neste ponto cruciais, em larga medida por que o seu papel é o de constituírem um fórum e um mecanismo para os países ricos negociarem o acesso ao mercado com os países pobres. Como faz notar Dani Rodrick (Professor de Economia Política na Universidade de Harvard), o produto deste processo não é o comércio livre, mas, antes, regras de comércio que funcionam em favor das nações já ricas e poderosas. Pior ainda, enquanto membros da OIT, estes países em desenvolvimento são constrangidos a aceitar uma receita única para o desenvolvimento económico ? o modelo anglo-saxónico ? com o seu desdém pela intervenção governamental e provisão estatal. Ao mesmo tempo que as economias dos Tigres Asiáticos são citadas como o exemplo da conexão entre a expansão da educação e o desenvolvimento económico rápido, esconde-se o facto de tal ser conseguido através da intervenção do estado e não sem ela. Para os países de baixo rendimento, aqueles que tiveram a sorte de poder beneficiar do acordo do G7, se quiserem gastar dinheiro com a educação têm de o fazer sob um conjunto de regras diferente daquelas que moldaram as trajectórias de desenvolvimento do ?norte? rico. Expandir a educação primária e secundária sob o regime comercial da OIC, no qual a educação é conceptualizada como um serviço que pode ser fornecido tanto por empresas transnacionais como pelos governos locais, deixa o sector da educação completamente aberto ao investimento estrangeiro directo, ao acesso ao mercado e muito provavelmente com a perda do trabalho profissional. A este respeito, o Comissário para os Direitos Humanos chamou a atenção, num relatório para as Nações Unidas, para o facto de que a liberalização do comércio no âmbito dos serviços educacionais, sem uma regulação governamental adequada e uma igualmente adequada avaliação dos seus efeitos, produzia efeitos indesejáveis. Ao mesmo tempo que devemos dar as boas-vindas ao perdão das dívidas, aquilo que surge como ainda mais importante e que merece a total atenção dos ministros dos G7, é o desenvolvimento de um sistema multilateral que possibilite às nações a persecução dos seus valores e objectivos de desenvolvimento, apoiadas por um auxílio adequado, no âmbito de um quadro de direitos humanos. Talvez, então, as crianças do mundo possam ter a possibilidade de frequentar a escola.
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