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A contas com as contas ou os mistérios (in)sondáveis do 1.º ciclo

É sobre esta questão de ?mais Matemática? que convém reflectir um pouco. (?) os resultados negativos que têm sido anunciados ano após ano, têm que ter uma lógica que não a de mistérios insondáveis.

A Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, anunciou o prolongamento do tempo de permanência dos alunos nas escolas do 1º Ciclo.
À partida, a medida é de aplaudir. O enorme grupo de ?salas de estudo? sem qualquer qualidade pedagógica que tem proliferado nos últimos anos (a que chamam ATLs mesmo quando não o são) não deve gostar nada desta intenção que pode ser um passo em frente em prol do papel social da Escola Pública. A proposta não será também aplicável de imediato em todas as escolas uma vez que, sobretudo as dos grandes centros populacionais, trabalham em horário de desdobramento até às 18 horas e têm uma enorme falta de espaços  para intervenção pedagógica.
A notícia, quando chegou aos media, ganhou de imediato uma vertente alarmista: a grande questão é a Matemática, o fraco desempenho alunos. Ficaram assim muitos encarregados de educação convencidos de que os filhos vão passar a ter mais horas de Matemática no 1º Ciclo, para além do já anunciado Inglês e de outras actividades.
É sobre esta questão de ?mais Matemática? que convém reflectir um pouco. Quem estiver habituado, enquanto orientador de acções de formação continua, a desenvolver projectos  educativos de escola, ou projectos curriculares de escola ou de turma, ou quem leccionar cursos de complementos de formação para docentes do 1º Ciclo, facilmente se aperceberá de que a Língua Portuguesa e a Matemática são as duas disciplinas que mais são trabalhadas por estes estóicos docentes. Ora os resultados negativos que têm sido anunciados ano após ano, têm que ter uma lógica que não a de mistérios insondáveis.
Para mexer no 1º Ciclo e conseguir obter junto dos alunos níveis de competência equiparáveis aos de outros países da Europa ou do Mundo há que limpar a casa de cima abaixo. A Matemática ou qualquer outra área não existem na Escola fora de inúmeros contextos que se entrecruzam e contribuem por si para o sucesso desta ou doutras disciplinas.
A limpeza começará pela Formação Inicial: temos diferentes formações que dão acesso ao ensino no 1º  Ciclo, mesmo quando estes jovens pretenderam formar-se em Educação Física ou Educação Visual, tendo uma formação débil em Língua Portuguesa ou em Matemática: os cursos de PEB ? Professores do Ensino Básico, que tanto dão para se ser professor de Música no 2º Ciclo, por exemplo, como para se trabalhar no 1º Ciclo. Mesmo que haja nas ESEs uma licenciatura específica para o 1º Ciclo. A qualidade da formação há-de ser também uma variável importante, com tantas escolas privadas de formação destes professores. Ou o pagamento que se faz às professoras cooperantes que acompanham os estágios o qual, de tão pouco, não há-de permitir grande escolha em termos de qualidade. E há ainda a formação contínua ?a metro?...
Outra vassourada atingirá o senso comum que por aí impera com alguma facilidade: a ideia de que o que é bom é saber contar até mil, logo no primeiro ano ou, quiçá, na pré-primária. E afinal, é tão importante saber partir o 5 em 4+1, ou em 2+2+1 ou em 5-0, etc. ... antes de passar ao 6 ! Que, parafraseando Michel Guillen (1998), as equações são como a poesia: estabelecem as verdades com uma precisão única, pelo menos até ao limite do universo visível.
É preciso remodelar um compartimento importante, talvez não só no 1º Ciclo: criar nas escolas uma cultura de trabalho em equipa, de integração de saberes, de metodologias de projecto; para que mesmo quem teve a sorte de ter uma formação razoável não tenha que remar contra a maré das indolências e pôr de lado o seu espírito inovador e os novos conhecimentos que traz, em detrimento de eventuais críticas dos outros, isolados e acomodados na sua solidão e das ?instruções? tão antiquadas em termos pedagógicos e incorrectas cientificamente da maior parte dos manuais escolares.
Sobretudo, parece importante que as escolas estejam preparadas para conduzirem os seus alunos aos desafios de uma sociedade cada vez mais complexa, o que obriga a uma actuação com quadros de referência altamente criativos e de intervenção social para a qual concorrerão saberes integrados, interdisciplinares ou não.  Afinal, a invenção é que obriga o mundo a avançar. E a engrandecer a Humanidade.


  
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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