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O Insustentável Peso da Retenção no Ensino Secundário

Quatro em cada dez alunos do ensino secundário, de acordo com as ?regras? que comandam o nosso sistema educativo, são considerados incapazes para prosseguirem os seus estudos secundários ou para os concluir.  Isto depois de largos milhares de alunos já terem abandonado o sistema após a conclusão, ou não, do 9.º ano de escolaridade.  É uma situação única na Europa.

A ideia deste breve comentário é a de sinalizar a questão da retenção, um dos mais graves problemas que afectam o sistema educativo português e, em particular, o ensino secundário. A análise dos dados consolidados disponíveis, referentes a 2000/2001, mostra-nos uma realidade que procuro aqui reproduzir nos seus traços mais gerais para que possamos reflectir sobre o desempenho do sistema educativo português. 
Apenas considerei os cursos do ensino básico e secundário frequentados pela esmagadora maioria dos alunos.  Ou seja, para o efeito desta simples análise, não considerei os alunos que frequentavam cursos de educação e formação, currículos alternativos, cursos do ensino artístico especializado, cursos profissionais e cursos do ensino recorrente.  Por outro lado, centrei a minha atenção apenas nas escolas públicas, apesar da situação relativa à retenção no ensino particular e cooperativo, embora menos grave, também poder ser considerada bastante preocupante.
Tendo em conta os critérios acima referidos, estavam inscritos, em 2000/2001, um milhão, duzentos e trinta mil e quatrocentos e cinquenta e oito alunos (1 230 458) dos quais 967 741 no ensino básico e 262 717 no ensino secundário.  Em todo o ensino básico ficaram retidos, ou não concluíram, 128 433 alunos.  Ou seja, cerca de 13% dos alunos.  No que se refere ao ensino secundário, ?chumbaram? 105 680 alunos o que representa cerca de 40% dos alunos inscritos.  Assim, pode dizer-se que, se considerarmos todos os cursos e percursos educativos e formativos, são retidos anualmente em Portugal cerca de 250 000 alunos.
Quatro em cada dez alunos do ensino secundário, de acordo com as ?regras? que comandam o nosso sistema educativo, são considerados incapazes para prosseguirem os seus estudos secundários ou para os concluir.  Isto depois de largos milhares de alunos já terem abandonado o sistema após a conclusão, ou não, do 9.º ano de escolaridade.  É uma situação única na Europa.  Um caso gravíssimo que afasta do acesso à cultura, ao desporto, à ciência, às artes e aos saberes em geral, centenas de milhar de alunos todos os anos.  Uma situação que põe em risco a coesão social pois, anualmente, são ?atirados? para a sociedade, sem quaisquer qualificações dignas desse nome, centenas de milhar de jovens que serão presas relativamente fáceis dos males sociais que nos afectam e preocupam.  Um escândalo que nos envergonha a todos, que se mantém assim há anos e que todos temos de combater com inteligência, com energia e sem tibiezas, nos planos pedagógico, social e político.
Mas voltemos muito brevemente aos dados.  No referido ano lectivo ficaram retidos cerca de 38% dos alunos inscritos nos Cursos Gerais e cerca de 47% nos Cursos Tecnológicos!!  Há anos de escolaridade em que o número de retidos é superior a 52%.  E isto, repito, depois de já terem ?chumbado? e, mais ou menos abruptamente, sido empurrados para o abandono, largos milhares de alunos, começando logo no 2.º ano de escolaridade!
Mais de trinta anos passados em democracia e continuamos, todos, a revelar-nos incapazes de travar e inverter esta situação escandalosa que discrimina liminarmente um número intolerável de alunos em qualquer sistema educativo democrático.  Mais de trinta anos passados em democracia e a sociedade portuguesa parece continuar a ter dificuldades sérias para manter uma relação saudável com a escola. 
Julgo que perante estes factos ninguém, quem quer que seja, se poderá ?pôr de fora?, não assumindo as suas responsabilidades.  É evidente que as responsabilidades políticas não se poderão escamotear e, neste plano, é urgente que as políticas educativas se orientem para que o essencial dos investimentos se faça no apoio directo ao que se passa nas salas de aula e nas escolas.  Isto é, no apoio ao ensino, às aprendizagens e à organização e funcionamento das escolas.  O nosso sistema educativo precisa de uma mudança cultural profunda:  tem de deixar de estar essencialmente orientado para classificar os alunos e passar a estar mais orientado para que os alunos aprendam efectivamente melhor.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Domingos Fernandes
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação
Domingos Fernandes
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação

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