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?Não é necessária ajuda médica para se cometer suicídio?

Edna Gonçalves é directora da Unidade de Cuidados Continuados do Instituto Português de Oncologia, no Porto. É médica da área da oncologia há dezassete anos e já lidou com muitos casos de doentes terminais. No entanto, garante, nunca recebeu qualquer pedido para praticar eutanásia.

Concorda com a prática da eutanásia?

Não. Penso que enquanto não se esgotarem todos os meios ao nosso alcance para controlarmos o sofrimento do paciente não faz sentido matar pessoas. Seria quase como querer matar os analfabetos para resolver o problema do analfabetismo. Não faz sentido.

Considera que é uma questão do foro estritamente individual?

É óbvio que esta é uma decisão que diz respeito a cada indivíduo, mas é indispensável que as pessoas estejam completamente informadas sobre outras formas de alívio do sofrimento que não impliquem a eutanásia. Nos cuidados paliativos abordamos o sofrimento na vertente física, psíquica, social e emocional. Há pessoas que têm outro tipo de sofrimento que não passa pelo aspecto físico e poderão necessitar de outro tipo de apoios, mas é fundamental que sejam esclarecidas acerca dos meios que têm ao seu dispor.
Por outro lado, e exactamente por se tratar de uma decisão do foro individual, não vejo porque motivo os médicos devem ser envolvidos nesta questão. Infelizmente, há pessoas que, diariamente, tomam a decisão de se suicidar, e quem o quer fazer sabe perfeitamente como concretizar. As pessoas dirigem-se aos médicos porque querem aliviar o sofrimento e porque sabem que eles podem ajudá-las.

Apesar de ser contrário à ética médica, não será o profissional de saúde, por causa dos seus conhecimentos, a pessoa mais indicada para ajudar alguém a ter uma ?morte tranquila??

Mais uma vez repito que não é necessária ajuda médica para se cometer suicídio. Penso que actualmente debate-se muito a eutanásia, mas fala-se pouco sobre o desenvolvimento dos serviços de assistência paliativa. Vivemos numa sociedade que tem muita necessidade do prazer imediato, que não valoriza outras hipóteses. Provavelmente, valeria a pena reflectir mais sobre esta questão.
Aliás, existem estudos realizados na Holanda demonstrando que, após este país ter começado a investir mais nos serviços de cuidados paliativos, o número de pedidos de eutanásia diminuiu e continua a decrescer. Ainda há menos de um mês, foi apresentada uma proposta em instâncias da União Europeia para despenalizar os médicos que pratiquem a eutanásia, mas ela foi recusada.
Considero, por isso, que a tónica neste debate deveria ser posta na escassez de serviços de apoio paliativo no nosso país, já que existem apenas seis unidades reconhecidas oficialmente: uma no Porto, em Coimbra e no Fundão e três na região de Lisboa.

Já alguma vez foi confrontada com esse pedido?

Não. Trabalho já há dezassete anos na área da oncologia, lidei com muitos doentes terminais, mas nunca me surgiu um pedido dessa natureza. No entanto, tenho dois colegas a quem duas pessoas fizeram esse pedido, mas após a dor ter sido controlada mostraram arrependimento por o ter feito.

Num país maioritariamente católico, os princípios da igreja não pesarão decisivamente na consciência de muitos médicos? É sabido que a igreja calvinista, por exemplo, tem uma posição mais favorável?

Penso que não. A religião católica pode, em tempos, ter passado a ideia de que o sofrimento leva à redenção, mas essa não é a visão actual da igreja, que defende que o sofrimento deve ser evitado e o que não é evitável pode ser dotado de um sentido.

Há algum estudo nacional que caracterize esta questão?

Não se sabe ao certo quantos pedidos de eutanásia são feitos em Portugal, em primeiro lugar por não ser legal e depois porque não é um assunto discutido abertamente. Que eu saiba, não existe nenhum levantamento sobre esta questão.
Porém, admito, e penso que a maioria das pessoas com quem falo concordará comigo, que mesmo aplicando os cuidados paliativos e todas as formas de alívio do sofrimento até à exaustão, irá sempre haver uma franja residual de pedidos de eutanásia.
 
O que diz a legislação portuguesa sobre esta matéria?

A legislação portuguesa não autoriza a eutanásia e é considerada má prática médica quando um profissional de saúde favorece a morte de um doente, podendo ser acusado da prática de homicídio.
O grupo de Cidadãos Pró-Cuidados Paliativos, do qual eu faço parte, enviou recentemente uma petição à Assembleia da República, que reuniu perto de 24 mil assinaturas, onde se pede que o direito aos cuidados paliativos passe a estar inscritos nos direitos de saúde previstos na Constituição Portuguesa, a par da cura e da reabilitação.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Edna Gonçalves
Directora da Unidade de Cuidados Continuados do Instituto Português de Oncologia, no Porto.
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Edna Gonçalves
Directora da Unidade de Cuidados Continuados do Instituto Português de Oncologia, no Porto.
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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