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Natureza, ciência e técnica ou Benjamin (re)visitado

Walter Benjamin era uma pessoa de personalidade enigmática, com uma conduta que oscilava entre a intransigência quase rígida e a polidez oriental. Uma maneira de ser que aparentava mais o temperamento vibrante de um artista do que a frieza do cientista tradicional, e ele todavia não rejeitava a racionalidade.

Apesar de se seguirem as condenações formais às barbaridades que tipificaram a Segunda Guerra Mundial, no ano em que se celebra o sexagésimo aniversário do seu fim, nenhuma referência tem sido feita a um  facto que - principalmente com os acontecimentos dos dias actuais - se constitui numa lição a reter a respeito daquele conflito: a utilização da ciência e da técnica para fins bélicos. Some-se a este facto, hoje, a agressão à natureza levada a efeito no Médio Oriente, na busca desenfreada pelo controlo de poços de petróleo.
Há nisso um ?certo grau de ironia?, quando temos em conta que, em decorrência da Segunda Guerra, fugindo do nazismo, pereceu um intelectual que se destacou pela defesa de um novo uso da ciência e da técnica e por apregoar uma nova forma de relação do ser humano com a natureza. Foi o que pretendeu Walter Benjamin.
 Como bem nos diz Adorno, Benjamin era uma pessoa de personalidade enigmática, com uma conduta que oscilava entre a intransigência quase rígida e a polidez oriental. Uma maneira de ser que aparentava mais o temperamento vibrante de um artista do que a frieza do cientista tradicional, e ele todavia não rejeitava a racionalidade. Seu pensamento parecia nascer de um impulso de natureza artística que, transformado em teoria, liberta-se da aparência e anuncia a ?promessa da felicidade?. De forma sintética, penso que não se pode senão destacar que o que motivava Benjamin era, por exemplo, o impulso para romper com a lógica que aborda limitativamente o universal e o individual. O que o impulsionava era o inquieto desejo de compreender a essência sem a destilar com operações automáticas e sem a contemplar em duvidoso êxtase imediato.
Dos escritos benjaminianos, há o soar de um pensamento que recolhe as promessas dos contos infantis, em vez de as recusar por conta de uma presumível maturidade depreciativa do adulto. Isto é assumido tão literalmente, que torna até perceptível o pleno cumprimento real do conhecimento. E desde o início a sua topografia filosófica diz-nos o que não assimila: a renúncia. Qualquer coisa que nos faz sentir como a criança que vislumbra, pelas frestas da porta, as luzes da árvore de Natal. O que Benjamin deseja é devolver-nos a satisfação que a adaptação e a autoconservação nos impedem de ter, o prazer em que se articulam os sentidos e o espírito.
Daí que, nessa démarche, o nosso autor, já em 1928,  tenha posto sobre a mesa de discussão a ideologia do progresso e o paradigma tecnológico da civilização industrial moderna.  A sua postura não tem rodeios: denuncia a idéia de domínio da natureza e propugna uma nova concepção de técnica como relação interativa entre o ser humano e o meio que o cerca. Um passo adiante e encontra-se com Fourier: advoga um tipo de trabalho que, bem longe de explorar a natureza, esteja em condições de fazer emergir dela as criações que se encontram adormecidas em seu seio. Ciência e técnica têm que ser equacionadas em novos patamares.
Como decorrência da sua abordagem sobre o ?império da técnica?, Benjamin procura tratar acuradamente da configuração assumida pela obra de arte. A reprodutividade técnica da obra de arte, possibilitada pelos avanços tecnológicos ? hoje consolidados -, gerou, em seu entendimento, novas formas de encarar a arte, tanto do ponto de vista do espectador como do criador. A ?possibilidade multiplicativa?  decorrente do avanço tecnológico viria a ferir os valores que convertiam a obra numa espécie de ?experiência mística? no momento de sua produção/contemplação, estando então em discussão os três elementos sobre os quais repousavam a noção de ?beleza? da estética clássica: aura, valor cultural e autenticidade. A respeito da reprodutividade técnica da obra de arte, o que ocorre com a fotografia é paradigmático: a mão foi dispensada da tarefa do desenho de imagens e a sua reprodução em fotografias atinge, hoje, um ritmo tão acelerado que consegue acompanhar a cadência das palavras. São as próprias técnicas de reprodução que impõem formas de arte.
Natureza-ciência-técnica, foi esta tríade conceptual que Benjamin quis pôr ?às avessas?, principalmente quando temos em atenção as suas ?Teses sobre o Conceito de História?. Um severo questionamento à noção positivista de progresso, a ser efectivado nem que seja por via de acontecimentos como os que têm feito eclodir as mais diversas guerras, onde a ciência e a técnica proporcionam os mecanismos que impulsionam os conflitos.
(Re)visitar analiticamente Benjamin significa, portanto, ter em consideração questões centrais da realidade contemporânea. Mostrar o mundo usual no eclipse que é a sua luz permanente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil

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